A Bitcoin Vault (BTCV) é uma criptomoeda que angaria investidores no Brasil apesar de levantar suspeitas de fraude. Recentemente, o órgão regulador do mercado de capitais nas Filipinas chegou a apontar que o projeto é mais uma pirâmide.
A afirmação veio em resposta a uma alegação do criador da Bitcoin Vault, Eyal Avramovich, na última semana. O dono da suposta mineradora Mining City disse que o negócio teria aval do governo filipino. No entanto, a “CVM” do país já havia alertado contra a empresa por indícios de pirâmide financeira.
Além disso, outras pistas de golpe aparecem nos detalhes técnicos do projeto. Para um especialista ouvido pelo BeInCrypto, o Bitcoin Vault é nada mais que um ataque de 51% disfarçado.
A avaliação é do consultor em segurança e especialista em LGPD Everton Melo. Ele explica que a mineração centralizada e a capacidade de reverter transações, defendida pelos criadores como uma inovação, tornam a criptomoeda insegura.
“Isso não é inovador, é só um ataque 51% disfarçado. Eles têm boa parte dos nodes [nós] da rede”.
O que é o ataque de 51% e por que o Bicoin Vault estaria sujeito a ele
Um ataque de 51% ocorre quando criminosos conseguem se apoderar da maioria dos nós de uma rede blockchain. Como consequência, eles tomam controle sobre as verificações. A partir daí, hackers conseguem executar o que se chama de duplo-gasto, que desvia fundos dos usuários para carteiras dos criminosos. O palpite do especialista é que a própria Mining City, empresa por trás da moeda, seja capaz de realizar o ataque. Afinal, ela controla o acesso à mineração direta. O acesso irrestrito, vale lembrar, se dá apenas mediante contratos de mineração. Os pacotes vão de US$ 300 a US$ 12.600. Dada a concentração dos nós, portanto, a companhia teria o poder de desviar os fundos a qualquer momento sem que investidores saibam. Apesar disso, os criadores da Bitcoin Vault dizem que a criptomoeda é segura. A reversão de transações, por exemplo, seria possível com o uso de três chaves: uma para transferência não-reversível (como no Bitcoin), outra para reversível, e uma terceira para ativar a reversão. Segundo o Melo, entretanto, trata-se de mais um sinal de fragilidade da moeda. Para ele, tudo leva a crer que a criptomoeda é altamente insegura.“Ransomwares [vírus sequestradores de sistemas] usam isso. Uma key local pra encriptar o nó e uma master key que desencripta qualquer node. [A possibilidade de reversão de transações] também diz que a semente das wallets é fraca. Alguém para entrar nesse projeto não sabe o que está fazendo mesmo”.
Líderes da Bitcoin Vault no Brasil têm histórico de envolvimento em pirâmides financeiras
Não bastassem os alertas de autoridades estrangeiras e as pistas no código da moeda, pessoas que promovem o projeto no Brasil têm histórico duvidoso. Um dos líderes é Luiz Sergio Farina Junior, que diz ter sido “gerente de vendas” da Million Money, acusada de atuar em esquema de pirâmide por especialistas que também denunciaram a Forsage. Farina Junior foi procurado pela reportagem, mas não respondeu ao pedido de entrevista. Outro que promove a Bitcoin Vault é Romero Araújo, que já captou investidores para diversas empresas acusadas de fraude, como Golden Bit, Velox 10 e D9, investigada pelo Ministério Público. Outro rosto da Bitcoin Vault no Brasil é de Paulo Vaz, um dos principais responsáveis por apresentar a moeda a potenciais investidores. Ele é um ex-líder da AirbitClub, famosa pirâmide financeira que dizia investir em criptomoedas.“Eu lamento muitíssimo porque pessoas de boa fé acreditaram no projeto da empresa Airbit. Eu, inclusive, acreditei, incentivei pessoas a participarem desse projeto. Mas, no momento exato que eu identifiquei que poderia dar algum problema, imediatamente eu encerrei”, se defende Vaz.A AirbitClub teve como um dos fundadores o brasileiro Gutemberg dos Santos, preso em agosto nos Estados Unidos. Acusado de operar um esquema fraudulento que teria rendido pelo menos US$ 20 milhões, ele será julgado nos EUA e pode ser sentenciado com até 30 anos de prisão.
Fazendas de mineração de BTCV realmente existem?
Vaz garante que com a Mining Best e a Bitcoin Vault é diferente. Um dos motivos seriam os contratos para a suposta mineração da moeda, vendidos com marketing multinível.“Quem quiser minerar compra um contrato de mineração. Esses contratos duram 39 meses e 10 dias, e a pessoa é quem decide qual é a hora de vender ou comprar [BTCV]”.No entanto, pairam dúvidas com relação à própria existência da fazenda de mineração da empresa. Ou pelo menos de sua escala. As coordenadas das instalações no Cazaquistão segundo mostradas por fotos de 2020 no Google Maps, por exemplo, não parecem bater com as imagens de divulgação.
“Eu ia conhecer [as instalações da Mining City] agora em março quando começou a crise do coronavírus. Estava com a passagem comprada para ir ao Cazaquistão conhecer uma das fazendas de mineração”.
‘Eu não colocaria dinheiro nessa empresa’, diz advogado especialista em pirâmide financeira
Os indícios de fraude também chamam a atenção de Ricardo Kassin, advogado do escritório Parodi Kassin Advogados. Especializado em casos envolvendo pirâmides financeiras, ele diz que o negócio tem ares de inseguro. Kassin cita que é muito difícil bloquear bens de empresas sem presença jurídica no Brasil, como é o caso da Mining Best. A fazenda de mineração fica supostamente no Cazaquistão, mas a sede da empresa fica na Polônia.“[O investidor] está correndo um risco muito grande. Porque mandar uma carta rogatória [comunicação entre os judiciários de países] para fora e colocar uma empresa estrangeira no polo passivo de uma demanda é um problema bem grande”.No caso do Bitcoin Vault, porém, a cobrança de uma dívida pode ser não só difícil, como impossível.
“E outra, se [a empresa] está em um país que não tem tratado [de cooperação bilateral], como é que vai fazer para trazer o dinheiro mesmo se encontrar? Eu não colocaria dinheiro nessa empresa”.
Empresa não cumpre promessa de divulgar dados da moeda em meio ao derretimento de preço
Outro ponto que chama atenção no projeto é a falta de divulgação da oferta circulante da moeda no CoinMarketCap. Como consequência, não é possível estimar sua capitalização de mercado. Segundo Paulo Vaz, o dado seria divulgado até o final de setembro. Mas, até o fim de outubro, a promessa não foi cumprida. Dessa forma, permanece a possibilidade de que a Mining City deteria um grande estoque da moeda e poderia despejá-lo a qualquer momento. O dump, inclusive, já pode ter começado. Há cerca de dois meses, uma baleia misteriosa realizou vendas massivas de BTCV. Sidinei Rocha, um promotor da moeda que diz ter 10 anos de experiência em marketing multinível, deixa aberta a possibilidade de a tal baleia ser, na verdade, a própria Mining City.“Não podemos dizer que não é e também não podemos confirmar, que a gente não tem prova, só suspeita”.O preço da Bitcoin Vault chegou a bater US$ 487 em primeiro de agosto, segundo o CoinMarketCap. No fechamento da matéria, a moeda valia apenas US$ 78 – uma queda, portanto, de quase 94%.
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Paulo Alves
Sou jornalista e especialista, pela USP-SP, em Comunicação Digital. Já trabalhei em rádio e impresso, mas boa parte da minha experiência vem do online. Colaborei entre 2013 e 2021 com o Grupo Globo na área de tecnologia, onde já cobri assuntos diversos da área, de lançamentos de produtos aos principais ataques hackers dos últimos anos. Também já prestei consultoria em projetos do Banco Mundial e da ONU, entre outras instituições com foco em pesquisa científica. Entrei no mundo das...
Sou jornalista e especialista, pela USP-SP, em Comunicação Digital. Já trabalhei em rádio e impresso, mas boa parte da minha experiência vem do online. Colaborei entre 2013 e 2021 com o Grupo Globo na área de tecnologia, onde já cobri assuntos diversos da área, de lançamentos de produtos aos principais ataques hackers dos últimos anos. Também já prestei consultoria em projetos do Banco Mundial e da ONU, entre outras instituições com foco em pesquisa científica. Entrei no mundo das...
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