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Stablecoins: benefícios, riscos e proteção aos investidores

10 mins
Atualizado por Júlia V. Kurtz

EM RESUMO

  • O que você precisa saber sobre stablecoins.
  • Benefícios e desafios das stablecoins.
  • O risco das algos: como um dólar pode chegar abaixo de 30 centavos em um único dia? Como investidores podem ser afetados.
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No artigo de hoje, vamos traçar uma visão geral sobre as stablecoins e comentar, ao final, sobre o risco das stablecoins algorítmicas e por que a proteção do consumidor é essencial.

1 – O que você precisa saber sobre stablecoin

1.1 Por que surgiram as stablecoins?

Logo que surgiu o bitcoin, houve uma euforia em torno da expectativa de que muito em breve criptomoedas como bitcoin ou ether seriam usadas como meios de pagamento na Internet. 

E apesar de avanços na escalabilidade das blockchains públicas estarem em franca expansão –com a Lightning Network e as soluções de segunda camada – , as criptomoedas ainda estão em estágio de maturação e em processo de se tornarem “moeda”.

Criptomoedas ainda são extremamente voláteis, como pudemos constatar no último ajuste do mercado, assim como as redes blockchain públicas ainda não possuem a velocidade exigida por uma economia digital. 

E a questão da volatilidade é um fator particularmente importante. Quando a maioria dos comerciantes passa a aceitar uma criptomoeda como meio de troca, seu maior desejo é sempre migrar para um ativo digital mais estável para, assim, proteger seus lucros e o capital da alta volatilidade do mercado cripto. 

Pensando neste cenário, é que as Stablecoins foram criadas. 

Mas seu propósito não se esgota na proteção contra a alta instabilidade de preços das criptomoedas. Stablecoins também tem sido usadas ​​por aqueles que desejam transferir dinheiro entre as corretoras sem sair do ecossistema cripto. 

Aqui, importante destacar que sair das criptomoedas para as moedas fiduciárias tem consequências em muitas jurisdições, desde questões regulatórias até implicações fiscais.

Some-se a isto o fato de que as stablecoins têm sido particularmente importantes para as corretoras não regulamentadas, que não têm acesso ao sistema bancário fiduciário. 

Por fim, stablecoins lastreadas em dólares americanos também são importantes para pessoas em países com acesso restrito a moedas estrangeiras.

Neste cenário, a resposta encontrada pela indústria cripto foram as stablecoins – tokens ou ativos criptográficos que são indexados a moedas fiduciárias, ou que mantêm um valor supostamente “estável” por algum outro meio.

1.2 Quando surgiram as primeiras stablecoins?

As primeiras stablecoins começaram a aparecer em 2017, com um dos primeiros projetos mais conhecidos sendo o Tether (USDT). Em geral, elas se concentravam em resolver o problema de pagamento para plataformas baseadas em blockchain especificamente. 

Mas à medida em que as pessoas começaram a entender o valor de stablecoins para mercados de ativos tokenizados, vimos uma segunda geração de projetos de stablecoin por “entidades públicas e privadas” –  muitas vezes como parte de consórcios e com a participação de fornecedores de tecnologia – como o JP Morgan (JPM), Binance USD (BUSD), Terra (Luna), o dólar Gemini, Circle (USDC) e o projeto DC / EP da China.

1.3 O que é uma stablecoin para o Banco Central Europeu, o GAFI, o BIS, e a OCDE.

O Banco Central Europeu (BCE) enxerga stablecoins como “unidades digitais de valor que se diferem das formas existentes de moedas (por exemplo, depósitos, dinheiro eletrônico, etc.) e contam com um conjunto de ferramentas de estabilização, para minimizar as flutuações em seus preços em relação uma moeda, ou cesta dela.” O BCE, contudo, considera o termo stablecoin, usado para descrever essa inovação de pagamento digital, confuso e até impróprio. 

Já a Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF) ou GAFI considera que “a palavra stablecoin  não é uma categoria legal ou técnica muito clara, sendo principalmente um termo de marketing usado pelos promotores de criptoativos.”

O BIS, por sua vez, usa a palavra, destacando sempre a expressão “as chamadas stablecoins”.

Segundo a OCDE, as stablecoins pertencem à categoria dos “ativos digitais baseados em utilidade”, ao lado dos CBDCs que, por sua vez, são representativos da responsabilidade institucional. 

Para o propósito deste artigo, vamos usar o termo stablecoins principalmente como ativos monetários ao portador, projetados para imitar o preço das moedas fiduciárias, utilizando um mecanismo de estabilização. 

1.4 O que é uma stablecoin, afinal?

Para facilitar sua compreensão, uma definição bem simples de stablecoin é: uma representação digital da moeda fiduciária que vive em blockchains. 

Para quem gosta de um conceito mais técnico: stablecoins são “ativos utilitários representativos de outro valor, porque representam obrigações financeiras emitidas em um blockchain, que são garantidos por depósitos em moeda fiduciária em um banco, ou por títulos do governo de curso prazo, mantidos em um custodiante”.

Hoje, as stablecoins são emitidas principalmente por instituições privadas.

1.5 Stablecoin Vs Bitcoin

Stablecoins são “tokens” programáveis e foram criadas para serem ativos mais estáveis em termos de valor. Eles são supostamente menos voláteis e são mais ou menos constantes em seu preço. Elas geralmente estão atreladas a alguma moeda fiduciária como, por exemplo, a USDT e TUSD que são indexadas ao preço do dólar americano.

Bitcoin é uma “criptomoeda”, por sua vez, não está vinculado ao preço de nenhuma moeda fiduciária. O valor do Bitcoin está em si mesmo, em sua tecnologia e em suas qualidades únicas como ativo digital. Além disso, como o bitcoin é um novo tipo de ativo e em estágio de evolução, está sujeito à maior volatilidade. Seu preço depende única e exclusivamente de fatores como demanda e oferta.

Aqui, é importante notar a diferença entre tokens e criptomoedas, espécies do gênero dos criptoativos. 

1.6 Stablecoins Vs Criptomoedas

Stablecoins não são criptomoedas. 

Uma criptomoeda é um ativo digital “nativo ou incorporado” em determinada blockchain, que representam uma unidade monetária. Você “não” consegue programar uma criptomoeda; isto é, você não consegue alterar as características de uma criptomoeda, que são determinadas no seu blockchain nativo. O valor de uma criptomoeda é a oferta e a demanda, lembrando que algumas moedas como Bitcoin possuem escassez.

Já as stablecoins são “tokens” programáveis. Isto é, são um ativo digital “personalizável / programável” que rodam em um blockchain de 2ª ou 3ª geração que admite contratos inteligentes (códigos de software) mais avançados como o ethereum, tezos, rostock (RSK), solana, dentre outros.

1.7 Tipos de Stablecoins

Hoje, há três categorias principais de stablecoin: as lastreadas, as sintéticas e as algorítmicas. 

Isto é, as garantidas por moedas fiduciárias (lastreadas), garantidas por criptoativos ou por uma cesta de stablecoins (sintéticas) e, por fim, as não garantidas (algorítmicas). 

  • Stablecoins garantidas ou lastreadas

As stablecoins garantidas ou lastreadas são emitidas por um terceiro centralizado e lastreadas por uma moeda fiduciária (ou, alternativamente, títulos do tesouro de curto prazo) ou ainda, por uma cesta de várias moedas fiduciarias. 

A grande maioria das stablecoins com garantia fiduciária tem o respaldo de 1 para 1 em dólares americanos. Uma unidade de uma stablecoin lastreada em dólares americanos pode ser resgatada em dólares americanos.

O dólar subjacente (a garantia) é mantido em contas bancárias e pode ser resgatado a qualquer momento pelos distribuidores ou, em alguns casos, pelos clientes de varejo diretamente. 

As reservas bancárias devem ser sempre iguais ao valor do fornecimento emitido de cada moeda-estável. 

Deste modo, se uma parte resgatar uma moeda estável, o fornecimento deveria teoricamente diminuir. Mas, como na prática esse processo acontece em lotes e a demanda por stablecoins continua aumentando, a oferta raramente diminui, pois os depósitos superam as retiradas.

Stablecoins lastreadas permanecem estáveis, desde que as pessoas tenham confiança de que o emissor do stablecoin realmente tem todas as reservas necessárias em sua conta bancária e que terceiros podem resgatá-las.

No tocante à parte tecnológica das stablecoins lastreadas, há um emissor, uma empresa que cria um token, e hoje a maior parte delas usa o padrão ERC-20 no blockchain ethereum. E elas emitem um token a medida em que realmente entra um token na conta corrente da empresa que está lastreando aquela stablecoin. 

Este é o sistema usado pelo USDollar Tether (USDT), que inicialmente usava o protocolo Omini.

Outras Stablecoins lastreadas são a true-US Dollar, a Gemini US Dólar (que é dos irmãos Tyler e Cameron Winklevoss), a USD Coin (criada pela empresa Circle, que é uma investida da Goldman Sachs e a Circle comprou a exchange Poloniex).

  • Stablecoins sintéticas ou crypto-collateralizadas (cripto-lastreadas)

Stablecoins sintéticas ou “cripto-lastreadas” são emitidos por “linhas de crédito descentralizadas”, que permitem aos usuários tomarem empréstimos ​​vinculados. A stablecoin sintética serve essencialmente como uma “dívida tokenizada”.

Os usuários que desejam criar a stablecoin sintética precisam bloquear mais de 100% dos criptoativos que serão “sobrecolateralizados” em um contrato inteligente como garantia. A maioria dos usuários que criam stablecoins dessa maneira estão essencialmente assumindo uma posição de longo prazo, alavancada sobre o colateral subjacente. 

Os empréstimos podem ser liquidados se não houver garantias suficientes no sistema para garantir o valor de todas as stablecoins em aberto. 

Cada empréstimo deve manter um rate de garantia mínimo e se o valor da caução for inferior a esse rate, a posição é automaticamente liquidada. 

A garantia é então leiloada ou vendida para cobrir o valor garantido de todas as stablecoins em circulação. 

Assim, a maioria dos usuários mantém uma proporção que é significativamente maior do que sua taxa de liquidação.

A paridade dessas Stablecoins sintéticas ​​é mantida por meio da combinação de arbitragem e política monetária (por meio de taxas de juros). 

Quando a “peg” está abaixo do valor desejado, a taxa de juros do protocolo pode ser aumentada, e os mutuários são incentivados a comprar de volta a stablecoin com um desconto para pagar sua dívida abaixo do custo. 

Quando a peg fica acima do valor desejado devido ao aumento da demanda, o protocolo pode diminuir as taxas de juros. 

Algumas linhas de crédito agora também permitem que os usuários colateralizem com stablecoins fiduciárias, em vez de apenas criptoativos, o que incentiva os arbitradores a empurrar o preço para baixo.

Em comparação com stablecoins lastreadas por moedas fiduciárias, os stablecoins de criptoativos super colateralizados são mais descentralizados, mas mais difíceis de escalar porque deve haver uma nova demanda para aumentar o valor nominal dos empréstimos.

  • Stablecoins algorítmicas (algos), não colateralizadas, ou ainda, não lastreadas 

As stablecoins algorítmicas, às vezes também chamados de não colateralizadas ou não lastreadas, não possuem garantia, pois possuem um protocolo responsável por ajustar a oferta dessa stablecoin (oferta flexível), como a stablecoin Maker Dai e a base coin.

O mecanismo de estabilização geralmente depende de um design de “token duplo” e do mercado secundário.

Portanto, as “algos” possuem uma oferta flexível, governada por um algoritmo e contratos inteligentes que incentivam os participantes do mercado a comprar ou vender determinado token para manter a estabilidade de preços pretendida.

O conceito de stablecoins sem garantia (algo) foi originalmente proposto por Robert Sams em 2014, no seu trabalho ‘‘A Nota sobre Estabilização de Criptomoeda”. 

1.8 Stablecoin lastreada vs algorítmica

Enquanto as stablecoins lastreadas são moedas digitais projetadas para manter seu valor em relação a uma moeda “fiat” – moeda estatal ou fiduciária, como o dólar americano, o euro e o real, uma stablecoin algoritma (algo) utiliza um token especificamente criado como seu principal mecanismo para equilibrar o preço. 

Por exemplo, a Terra (UST) utiliza o token Luna como seu principal mecanismo para equilibrar o preço do UST. Ele visa incentivar o comportamento dos participantes do mercado e manipular a oferta circulante de UST/Luna para que a stablecoin UST se estabilize. Trata-se essencialmente de uma forma de indexação da moeda.

Stablecoins são apoiadas por ativos de baixa volatilidade (colateralizadas), enquanto as stablecoins algorítmicas são administradas através de algoritmos (não colateralizadas) e contratos inteligentes. As algos, portanto, são tudo, menos “estáveis”…

2 – Benefícios e desafio de uma stablecoin

O mecanismo de estabilização de cada tipo de stablecoin possui benefícios e desafios, como podemos perceber na tabela abaixo.

Note que as stablecoins lastreadas são as mais estáveis, escaláveis e possuem a melhor tração. 

3 – Os riscos das Algos  

Como um “dólar americano” pode chegar abaixo de 30 centavos em um dia?

As stablecoins têm agregado valor, especialmente aos mercados emergentes onde as pessoas não têm acesso ao dólar e a moeda nacional é volátil. 

Normalmente, quem “investe” em stablecoins são fortes adeptos das criptomoedas, mas desejam alguma estabilidade. 

Contudo, a regra de ouro da estabilidade das stablecoins foi recentemente violada, quando o preço da stablecoin Terra UST despencou no dia 9 de maio de 2022.

Desde então, a stablecoin da Terra UST tem permanecido abaixo de sua meta de USD $ após mergulhar mais de 90% em 24 horas, no dia 11 de maio. Veja no gráfico abaixo.

Por conta disto, tanto os investidores no UST, quanto diversas exchanges enfrentam perdas significativas, razão pela qual corretoras como a Binance suspenderam as negociações na LUNA e UST em suas plataformas.

Neste contexto, muitos investidores em criptos atravessaram as portas da descentralização para bucar seus direitos em entidades “centralizadas” de proteção.

Já antevendo situações como a que acabamos de narrar acima, o Fórum Econômico Mundial publicou um estudo em 2020, que identifica os altos riscos associados a “algo stablecoins” e como este tipo específico de stablecoin pode ser muito diferente de outros ativos digitais como CBDCs, ativos lastreados / ativos-referenciados, impondo altos riscos aos investidores. 

Dentre estes riscos aos consumidores identificados neste estudo, incluem-se os relacionados a seu ativo subjacente; a proteção do depositante; pagamento; privacidade; segurança da tecnologia; e ausência de responsabilização legal.

Tal relatório, também, aponta que “quando dinheiro em espécie é usado para comprar dinheiro eletrônico, ele se torna dinheiro eletrônico ou stablecoins com as mesmas proteções regulamentares que os pagamentos feitos com dinheiro de banco comercial”. 

É importante destacar, aqui, que as “algos” não se enquadram nestes regulamentos de proteção ao consumidor.

Isto porque, em muitas jurisdições não são consideradas nem moeda eletrônica, nem um fundo. 

Neste contexto, se houver um problema com o mecanismo de reserva das stablecoins algorítmicas, nenhuma parte será responsabilizada e os consumidores/investidores ficarão ao “Deus dará”.

Possibilidades

Para proteger os usuários em uma indústria auto-regulamentada (se ela continuar sendo autorregulamentada diante das recém-aprovadas legislações pela União Européia), precisamos incorporar a proteção dos consumidores ao projeto do produto. 

A Web3 é onde inovações como contratos inteligentes, e DAOs podem mudar vidas. Mas como uma indústria, precisamos estar atentos à nossa responsabilidade perante os usuários, que podem abranger desde sofisticados investidores e tecnólogos até aqueles que pouco sabem sobre instrumentos financeiros complexos. 

E você, já possui alguma stablecoin de sua preferência? Conhecia os tipos de stablecoins? Depois do que viu neste artigo, acha que todas as stablecoins podem ser rotuladas como “estáveis”? Sabia de todos os benefícios e riscos das stablecoins?

Conhecimento é poder!! Nos vemos em breve!

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Tatiana Revoredo
Tatiana Revoredo é membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Inovação e Tecnologia. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Especialista em Blockchain Business Applications pelo MIT. Especialista em Artificial Intelligence & Business Strategy pelo MIT Sloan & MIT CSAIL. Especialista em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Convidada pelo Parlamento Europeu para a “The Intercontinental Blockchain Conference”....
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