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Manifestação de caminhoneiros no Canadá expõe lado negro do mercado cripto

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Atualizado por Júlia V. Kurtz

EM RESUMO

  • A paralisação dos caminhoneiros no Canadá fez com que o governo do país invocasse a Lei de Emergência pela primeira vez na história.
  • Movimento é financiado por criptomoedas.
  • Caso é exemplo do lado negro da indústria cripto.
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“Oh, liberdade, quantas mortes foram cometidas em teu nome?”

Madame Roland

A escalada do conflito entre caminhoneiros anti-vacina e o governo do Canadá chegou ao ponto em que o executivo do país precisou invocar dispositivos de sua Lei de Emergência para tentar frear o financiamento do movimento. Seria uma estratégia perfeita se não fosse um pequeno grande obstáculo: a indústria de criptomoedas.

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A lei impõe várias diretrizes, mas a principal dela é permitir que bancos (e exchanges) congelem contas de pessoas acusadas de estarem envolvidas com os atos. A permissão prévia, convém frisar, serve para eliminar diversas barreiras burocráticas que impedem que este tipo de ação seja feita com agilidade, algo imprescindível em emergências.

Diz o texto: “Para os propósitos dessa lei, considera-se emergência nacional qualquer situação crítica de natureza temporária”.

A ideia de interromper o fluxo de dinheiro faz sentido. Sem fundos, opositores não tem como conseguir comida e outros suprimentos para manter a barreira, sendo obrigados a se dispersarem. É a versão moderno de um cerco.

Acontece que a rota do financiamento sempre foi controlada por banqueiros e instituições tementes à lei e à ordem e que jamais perderiam tempo (e dinheiro) defendendo manifestantes sob pena de sanções. Tal status quo foi dizimado pelo Bitcoin.

Hoje em dia, qualquer pessoa com um smartphone e um mínimo de conhecimento técnico pode criar uma, duas ou mais carteiras de criptomoedas e se juntar a uma economia longe do controle das instituições tradicionais.

Libertar o homem das corporações sempre foi o objetivo do Bitcoin e a filosofia da indústria cripto como um todo. O Axie Infinity não se tornou uma potência no ramo de games jogue-e-ganhe (P2E) por acaso.

Liberar a população das amarras de um governo totalitário é um objetivo nobre. Iniciativas como a que está sendo desenvolvida no Afeganistão para ajudar mulheres a escaparem do regime do Talibã devem ser celebradas e reproduzidas sempre que possível.

Esta é a lição que nossa sociedade capitalista nos ensina, goste-se ou não. Na indústria cripto, investidores alertam o velho chavão “not your keys, not your crypto” (“não são suas chaves, não são suas moedas”) para lembrar o poder de exchanges de fazerem o que quiserem com os fundos de um cliente sem se preocuparem e a situação dos caminhoneiros no Canadá parece adicionar uma camada de profundidade ao ditado: se não está no seu bolso, não é seu dinheiro.

Doações driblam restrições

A paralisação dos caminhoneiros no Canadá é baseada na falácia de que as medidas anti-vacina são uma limitação à liberdade.

Uma das consequências do bloqueio é descrita pela CNN: “manifestantes bloquearam a ponte ligando Windsor, Ontario, e Detroit, causando impactos significativos aos Estados Unidos e Canadá”.

Estimativas do Business Insider apontam que cerca de US$ 900.000 em criptomoedas foram arrecadados pelo movimento, cujas arrecadações foram congeladas pelo GoFundMe. Até o bloqueio, mais de US$ 10 milhões foram recebidos no site.

Um grupo de entusiastas do Bitcoin do país chamado HonkHonkHodl reagiu ao bloqueio, criando uma campanha semelhante em uma plataforma de arrecadação em criptomoedas. No Twitter, o porta-voz- do grupo afirmou que as transações serão “documentadas e transparentes”.

A polícia do Canadá interviu, reforçando o pedido para que as carteiras fossem bloqueadas pelas exchanges. A suspeita é que os fundos tenham origem nos Estados Unidos, o que tornaria o protesto ilegal. Uma das pessoas que doou para a campanha foi o CEO da Kraken, Jesse Powel, que doou 1 BTC para a causa – um valor 1 BTC a mais do que deveria ser doado. Ele justificou a anarquia no Twitter:

“Corrija o dinheiro, corrija o mundo. Mandatos são imorais. Acabe com a loucura”.

Criptomoedas e terrorismo

O uso de criptomoedas para financiar operações terroristas não é novidade. Organizações têm usado o anonimato da blockchain para financiarem operações em todo o mundo. Um relatório da Chainalysis divulgado na quarta-feira (16) vai direto ao ponto:

“Em 2019 e 2020, a al-Qaeda arrecadou fundos em criptomoedas através de canais do Telegram e grupos de Facebook. Graças a agências como FBI, HSI, e IRS-CI, mais de US$ 1 milhão foram recuperados de uma empresa de serviços financeiros que facilitava essas transações”.

E continua: “no outono de 2021, a brigada al-Qassam, a ala militar do Hamas, arrecadou mais de US$ 100.000 em doações. Parte desse dinheiro foi recuperada depois pelo governo de Israel’.

Uma das críticas à reação do governo Trudeau de invocar a Lei de Emergências é que este ato equipararia os manifestantes a terroristas, e isso seria errado porque, afinal, “eles não seriam violentos”.

É preciso acabar com a ilusão de que algo precisa ser violento para ser destrutivo. O Brasil sabe muito bem as consequências da paralisação de rotas comerciais: falta de abastecimento de produtos e combustíveis e danos irreversíveis à economia.

Nossa experiência com a greve de 2018 nos ensinou esta lição amarga. Na época, o então presidente Michel Temer cogitou o emprego das forças armadas para recuperar o direito de ir e vir – inclusive dos caminhoneiros que se recusavam a participar da farsa. Ele mudou de ideia na última hora, preocupado com as repercussões. Foi um erro.

Enquanto isso, no Canadá, a manifestação (que adotou o cínico nome de “Freedom Convoy”, ou “Comboio da Liberdade”) grita pelo direito de ir e vir ao mesmo tempo em que, de forma hipócrita, limita o direito de outras pessoas.

O uso de criptomoedas como forma de financiamento por estes movimentos, ao apagar das luzes, se torna um argumento contra a popularização da indústria e sua sonhada adoção pelo mainstream.

Crimes com criptomoedas não são novidade, apenas estão ganhando mais popularidade com a crescente atenção de autoridades sobre o mercado.

E isso é algo positivo, porque apara algumas das arestas que o mercado ainda possui de forma que, com o tempo, estas atividades possam ser coibidas.

Em termos de casos de uso de cripto, o Afeganistão é um exemplo melhor que o dos caminhoneiros do Canadá. A indústria cripto pode ser usada para muitas coisas boas, mas precisamos vigiar melhor suas áreas sombrias.

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Júlia V. Kurtz
Editora-chefe do BeInCrypto Brasil. Jornalista de dados com formação pelo Knight Center for Journalism in the Americas da Universidade do Texas, possui 10 anos de experiência na cobertura de tecnologia pela Globo e, agora, está se aventurando pelo mundo cripto. Tem passagens na Gazeta do Povo e no Portal UOL.
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