Está quase concluída a fase de testes iniciais do Real Digital, que utiliza a arquitetura do R3 Corda, desde 2019.
Assim como o Banco Central do Brasil, a cada dia vemos mais e mais lançamentos de grupos de trabalho, provas de conceito, celebração de parcerias e projetos piloto por Bancos Centrais em todo o mundo.
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O Banco Central das Bahamas passou por um projeto piloto e foi além, tornou-se a primeira autoridade monetária a lançar sua moeda digital nacional no dia 20/10/2020.
Mas o que é uma CBDC? O que levou a essa corrida dos Bancos Centrais às suas CBDC? Todas as moedas digitais emitidas por um Banco Central utilizam arquiteturas baseadas na tecnologia blockchain?
São estes alguns dos questionamentos que procuro responder no artigo de hoje.
Qual a diferença entre criptomoedas e moedas digitais emitidas pelos Bancos Centrais?
Uma moeda digital do Banco Central em nada se parece com uma criptomoeda (Bitcoin – a primeira criptomoeda – e as altcoins – criptomoedas que surgiram após o bitcoin).
As CBDCs são centralizadas, possuem uma autoridade central responsável pelas ocorrências e problemas, geralmente uma autoridade monetária ligada a determinado país, que regula o estado das transações na rede.
Já as criptomoedas não estão vinculadas à nenhuma Economia ou país; são um novo ativo, digital e com alcance global, garantido por algoritmos criptográficos e protocolos descentralizados, executados em um blockchain de código aberto.
O Banco Central do Brasil (BACEN), por exemplo, chama criptomoedas de “moedas virtuais” ou “moedas criptografadas” e as diferencia das moedas eletrônicas.
Para o BACEN, criptomoedas possuem forma própria, ou seja, são unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam como dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em Reais.
Por que tantos Bancos Centrais desenvolveram suas próprias moedas digitais?
Um dos motivos que levou os Bancos Centrais a decidirem desenvolver suas próprias moedas digitais é a digitalização profunda do sistema econômico, provocada pelo surgimento da Economia da Web e da tecnologia blockchain, que possibilitou a movimentação livre e global de valor na Internet.
Há muito que o mundo está se afastando rapidamente do dinheiro físico, rumo ao “dinheiro digital” e a uma sociedade Cashless.
Neste contexto, os motivos para a emissão de uma CBDC podem variar conforme o estágio econômico do país. Mas é possível enxergar uma delimitação bastante clara entre as motivações dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, e as motivações de países com economia avançada.
Os mercados emergentes ou os Bancos Centrais de economias em desenvolvimento tendem a se concentrar em pontos como digitalização da economia e digitalização financeira, redução do custo de dinheiro físico e risco.
Por exemplo, com a digitalização financeira do Banco Central do Uruguai, uma das razões pelas quais a autoridade monetária uruguaia está apostando alto na emissão de sua moeda digital é que eles descobriram que com uma CBDC, seu ecossistema de estrutura financeira realmente irá dar uma salto à frente, em termos de ofertas digitais.
De outro lado, o que os Bancos Centrais já perceberam é que um sistema (com liquidação irreversível e circulação monetária verdadeiramente programável), como o propiciado pelas tecnologias de razão distribuída (como DLTs e Blockchain), traz maior velocidade orgânica (aumentando o giro de capital), e é inerentemente mais estável que o sistema das finanças tradicionais.
Por fim, o surgimento do Bitcoin em 2008 as demais criptomoedas a partir de então também pode ser incluído dentre as motivações que levaram os Banco Centrais a serem o emissor de uma moeda digital soberana (as CBDCs, Central Bank Digital Currencies).
Pois bem, muito se fala que as CBDCs permitem a rastreabilidade das movimentações financeiras, o que ajuda no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.
Vamos então compreender como isto acontece, sob a ótica da tecnologia blockchain.
O monitoramento das movimentações financeiras via tecnologia blockchain?
A tecnologia Blockchain garante a transparência de qualquer ativo em meio digital que seja registrado em sua rede: seja uma criptomoeda, seja um token representativo de uma Moeda Digital do Banco Central, ou ainda, um token representativo de um pedaço de um apartamento / de um dado de saúde.
Dessa forma, a tecnologia blockchain permite o monitoramento de qualquer ativo digital que seja registrado em uma rede blockchain não anônima, possibilitando transparência e uma rastreabilidade completa daquele ativo.
E aqui, é bom destacar que existem vários tipos de blockchains: blockchains pseudônimos (como o blockchain Bitcoin que permite a visualização das transações em sua rede em tempo real, blockchains anônimos como Monero e Dash, dentre outras classificações.
Como exemplo de como um blockchain “pseudônimo” pode proporcionar transparência, sem revelar os dados da transação, basta visitar o site blockchain.com, onde você consegue ver todas as transações de bitcoin (em formato alfanumérico), em tempo real, desde o lançamento do bloco gênese do bitcoin em 3/1/2009 até este exato momento em que você está lendo este artigo.
Pois bem, nas plataformas blockchains pseudônimas, o ledger onde são registradas as transações é totalmente auditável e preciso, apesar das transações serem encriptadas para não revelarem a identidade de quem está transacionando.
Note que as transações registradas em blockchains públicos como o bitcoin são indeléveis, o que significa que ninguém pode tentar manipular, modificar ou apagar qualquer dado que tenha sido registrado, uma vez que a rede blockchain o tenha validado.
Se alguém tentar alterar a transação na rede, então todos os outros blocos do sistema teriam que ser alterados.
Isso torna impossível todo o processo de manipulação das transações. Esta transparência é uma característica automática que é uma parte crítica de uma rede blockchain pública.
Portanto, se uma CBDC optar por utilizar uma estrutura blockchain, como parece ser o caso do Real Digital, o processo é o mesmo descrito nos parágrafos anteriores.
Mas é bom ressaltar que existem vários tipos de projetos de CBDCs em andamento, e que não necessariamente usam a tecnologia blockchain em sua infraestrutura.
A rastreabilidade depende, portanto, de qual “framework” (design tecnológico) os Bancos Centrais estão considerando, quando mencionam sua intenção de emitir suas CBDCs.
Como nada melhor que um exemplo para compreender algo, vamos dar uma olhada no Yuan Digital, atualmente a CBDC mais avançada em andamento.
Yuan Digital é exemplo da importância da identificação do “framework” tecnológico
O Yuan digital foi oficialmente introduzido nos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim no início de 2022, e como uma CBDC deve ser incorporado em um sistema geral – também chamado de Moeda Digital e Pagamento Eletrônico (DCEP).
Ao contrário de outros projetos de CBDC, o BACEN da China se baseia inteiramente em um banco de dados centralizado.
Embora seja possível a emissão da CBDC via Alipay e WeChat, o Banco Central da China vem desenvolvendo uma CBDC de varejo para ter contato direto com os usuários finais.
Como?
A autoridade monetária chinesa usará a BSN (Blockchain Service Network), que é um projeto de infraestrutura blockchain – desenvolvido pela Start-up Red Date Technology – , que pretende ser o único provedor de infraestrutura para empresas blockchain em todo o mundo.
Essa rede de serviços Blockchain pretende suportar mais de 100 blockchains públicos, incluindo Ethereum, incluindo Tezos, NEO, Cosmos, Irisnet, Nervos, Ethereum e EOS.
Dessa forma, a BSN funcionará como uma “internet de blockchains” de plataforma cruzada para dApps e também possui como um de seus objetivos funcionar como a plataforma do Yuan Digital.
Acontece que essa plataforma chinesa – que será a base do Yuan Digital e de soluções financeiras ditas “descentralizadas” – é na verdade uma rede com dois frameworks (estruturas tecnológicas) bem distintas.
O primeiro framework é uma blockchain não permissionada, descentralizada e transparente – também conhecida como blockchain público / trustless blockchain – , como o blockchain Bitcoin. Já o segundo framework é uma blockchain permissionada, privada, onde todos os atributos são formulados e “controlados” pelo proprietário (o Governo Chines).
Os dois frameworks estão se movendo em paralelo para que, num futuro próximo, o BSN possa ser uma base tecnológica para a circulação Yuan Digital, a CBDC da China.
A idéia é que além de servir como uma plataforma para a moeda digital do Banco Central da China – que incorpora ou serve como um substrato para a funcionalidade de contratos inteligentes –, a BSN possa proporcionar uma variedade de ferramentas para execução da política monetária.
Na versão global da BSN que usa redes blockchain públicas, os desenvolvedores podem construir e disponibilizar dApps (aplicativos descentralizados).
No entanto, os cidadãos da China só terão acesso à versão doméstica da BSN. Isto é, os chineses só conseguirão acessar as blockchains privadas, que utiliza redes permissionadas (autorizadas) devido às restrições do governo chinês às redes verdadeiramente descentralizadas (blockchains públicos).
Aqui, o que muitos devem estar questionando é: não existe uma clara incompatibilidade lógica entre um ecossistema blockchain “doméstico” “controlado” e a natureza descentralizada da tecnologia blockchain que nasceu para ser global?
Até que ponto é coerente o discurso de todo um ecossistema “controlado” com novos instrumentos financeiros, que inclui mecanismos de tokenização de ativos e permite soluções financeiras “descentralizadas” em DeFi?
Como uma CBDC em uma blockchain privada pode conviver com o poder disruptivo e a perda do controle centralizado inerente às finanças descentralizadas (DeFi) que rodam em blockchains públicos?
Isto não lembra os debates quando surgiu CeDeFi?
Agora que vimos a importância de se identificar qual a estrutura tecnológica adotada, e esclarecemos que nem todos os países escolheram a tecnologia blockchain para a emissão de suas CBDCs, vamos analisar as CBDCs como um instrumento do Estado.
CBDCs como instrumento de política monetária, controle financeiro e combate à corrupção, lavagem de dinheiro e terrorismo
Olhando as CBDCs sob o ponto de vista do Banco Central emissor, surgem dois pontos fundamentais:
- CBDC como instrumento do Estado para gestão da política monetária e combate à corrupção e lavagem de dinheiro, pode tornar as coisas mais simples;
- CBDC como controle financeiro sem precedentes sobre seus próprios cidadãos.
No tocante às CBDCs como instrumento do Estado – embora ainda não tenhamos visto os projetos de uma CBDC funcionando em larga escala e, portanto, não haja evidências fáticas de seus impactos –, muito tem se falado nos benefícios significativos para os Bancos Centrais e o sistema financeiro em geral, devido à simplificação da gestão da política monetária e do combate à corrupção e lavagem de dinheiro.
Dentre as prováveis vantagens para os Bancos Centrais emitirem suas CBDCs, podemos destacar:
- Mitigação do risco de perda de parte de sua capacidade de executar sua política monetária e mandados regulatórios;
- Barateamento das transações transfronteiriças de pagamento – seja para empresas, seja para indivíduos;
- Melhora da liquidação de pagamentos interbancários
- Aceleração da inovação nos mercados de varejo.
Já quanto às CBDCs como instrumento estatal de controle financeiro, muitas das críticas às CBDCs vem do fato de que nenhum outro tipo de dinheiro maximiza tanto a função monetária de armazenamento de informações como uma CBDC.
Isto porque, se a maioria de todos os pagamentos passar pela estrutura tecnológica de uma CBDC, dependendo de sua configuração, o dinheiro pode se tornar um depósito de informações para o Estado.
Esta preocupação pode parecer um exagero para alguns, mas a verdade é que um governo que hoje é democrático e respeita os direitos dos cidadãos, amanhã pode não ser, como a história do mundo recente tem nos mostrado desde sempre.
Isto significa que as CBDCs serão utilizadas como meio autoritário de poder e controle, assim como previu George Orwell?
Muitos, quando se deparam com esta pergunta, logo apontam as vantagens das CBDCs na implementação de procedimentos de Know Your Client (KYC) e de combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.
Aqui, novamente, a importância da identificação da estrutura tecnológica se faz presente, já que é possível projetar CBDCs com várias combinações de privacidade e rastreabilidade de transações.
Conclusões
Como se pode extrair dos parágrafos anteriores, a emissão de uma CBDC por um Banco Central envolve vários aspectos, não só econômicos, mas principalmente tecnológicos e sociais, dentre outros.
Para controlar o dinheiro, os Bancos Centrais precisam armazenar registros financeiros, como por exemplo, quanto dinheiro uma pessoa possui e quais transações ela fez.
Ao que tudo indica, o Real Digital usará uma tecnologia de razão distribuída (DLT – Decentralized Ledger Technology), que também é conhecida como blockchain privado, com permissão ou permissionado, e onde apenas algumas entidades selecionadas podem acessar e / ou alterar o blockchain.
Neste caso, as entidades centrais controlam quem obtém acesso à plataforma blockchain e o que eles podem fazer com ela.
Por exemplo, a entidade central pode decidir que só “Catarina” pode ler a blockchain, enquanto “Liam” pode tanto modificar quanto ler a blockchain.
Pois bem, como vimos anteriormente, uma CBDC pode beneficiar a gestão da política monetária pelo Banco Central, mas também é um poderoso instrumento do Estado para o controle financeiro.
Todavia, apesar do monitoramento das movimentações financeiras via CBDC ajudar no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao terrorismo, é bom lembrar que qualquer controle do Estado que mitigue ou “elimine” a privacidade financeira (em prol da segurança coletiva / nacional) deve se dar de forma explícita, através de o uso de diretrizes governamentais claras e com respeito aos limites fixados previamente pela Constituição.
Mas e você? Já sabia das vantagens que as CBDCs podem trazer do ponto de vista econômico? Já tinha ponderado os prós e contras de uma CBDC?
Acredita que a questão da privacidade financeira deve ser sacrificada em prol do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, independente do design tecnológico adotado?
Você concorda com a máxima : “quem não deve, não teme”? Mas e se seus familiares, amigos, estranhos e profissionais de marketing tiverem acesso ao seu histórico financeiro?
Compreendeu a fundamental importância da identificação do framework tecnológico utilizado em uma CBDC? Acha que seria pertinente um amplo debate sobre CBDCs que envolva toda a sociedade?
Conhecimento é poder!! Nos vemos em breve!
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