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Bitcoin, o primeiro email de Satoshi e a mudança na teoria monetária

11 mins
Atualizado por Luís De Magalhães

EM RESUMO

  • O primeiro email de Satoshi. O que isto significa?
  • Bitcoin é um software, entre outras coisas. Colaboração, comunicação e computação via criptografia.
  • O “dinheiro” Bitcoin? Bitcoin não existe no mundo físico, mas impacta a teoria monetária.
  • promo

O Bitcoin (BTC), ou pelo menos sua certidão de nascimento, completou 15 anos no último dia das bruxas. Qual é o seu impacto na prática? Vamos abordar este tema no artigo de hoje. 

O primeiro e-mail de Satoshi Nakamoto

Em 2008, no Dia das Bruxas, em uma lista de emails de discussão sobre criptografia chamada Cryptography Mailing List, um participante anônimo, usando o pseudônimo Satoshi Nakamoto, anunciou a publicação de um artigo e disse: 

“Eu tenho trabalhado em um novo sistema eletrônico de dinheiro eletrônico que é totalmente ponto-a-ponto, sem um terceiro validador de confiança”.

E foi assim, que Satoshi anunciou ter resolvido um dos maiores problemas de ciência da computação – o gasto duplo –, através de um sistema de dinheiro eletrônico “direto”, entre as pessoas, ponto a ponto. 

Foi por e-mail que a maior obra prima da engenharia monetária foi apresentada ao mundo, com o título de “Bitcoin: A Peer-to-Peer Cash System”

Quem quiser ler com calma todo o conteúdo da certidão de nascimento do bitcoin, pode baixar o White Paper do Bitcoin que está disponível em várias línguas, inclusive em português, no site Bitcoin.org

Nas suas nove páginas, Satoshi Nakamoto descreve em detalhes sobre o que é o Bitcoin, o que ele pode se tornar e, como funciona. 

E o interessante é: você “não” vai encontrar a palavra “blockchain” escrita no Paper do Satoshi. Isto porque, blockchain é como o “mercado” decidiu chamar a tecnologia que viabiliza as transações de criptoativos.

Curiosidades à parte, o criador do Bitcoin, ou a criadora do Bitcoin, ou os criadores do Bitcoin…

Saber quem é Satoshi Nakamoto importa?

Ninguém sabe se Satoshi Nakamoto é um homem, uma mulher ou um grupo de pessoas. Satoshi Nakamoto é o pseudônimo [da pessoa que] criou o Bitcoin. 

Não temos ideia de quem é, ou era Satoshi Nakamoto; se Satoshi está vivo ou não; se é uma pessoa, duas, ou mais pessoas … Sejam dez pessoas, homens ou mulheres, ou ambos em um grupo … quem sabe?

Não sabemos se é uma pessoa boa ou má. 

Só podemos dizer que Satoshi Nakamoto, independente de sua identidade, tinha conhecimentos de ciência da computação, criptografia, economia, política e Direito, software de código aberto, princípios matemáticos, teoria dos jogos e teoria monetária, e segurança de ativos físicos e digitais.

Na verdade, não importa quem seja Satoshi Nakamoto, porque ele não controla a rede Bitcoin, e porque foi inteligente o suficiente e humilde para reconhecer que sua criação transcendia sua existência e impactaria a relação entre cidadãos e governos, entre governos e empresas, bem como todas as indústrias e as diversas formas de poder, provocando uma Mudança de Era.

Quem foram os destinatários do primeiro email de Satoshi?

As pessoas daquela lista do e-mail de Satoshi, e que foram convidados a participarem da administração da rede Bitcoin, eram os cypherpunks. Quem?

Na década de 1980, o Dr. David Chaum escreveu extensivamente sobre tópicos como dinheiro digital anônimo e sistemas de reputação de pseudônimos, que ele descreveu em seu artigo “Segurança sem Identificação: Sistemas de Transação para Tornar o Big Brother obsoleto”. 

Ao longo dos anos seguintes, essas ideias se fundiram em um movimento. No final de 1992, Eric Hughes, Timothy C May e John Gilmore fundaram um pequeno grupo que se reunia mensalmente na empresa Cygnus Solutions de Gilmore na área da Baía de São Francisco. 

O grupo foi humoristicamente denominado “cypherpunks” como uma derivação de “cipher” e “cyberpunk”. A lista de discussão dos Cypherpunks foi formada mais ou menos na mesma época e, apenas alguns meses depois, Eric Hughes publicou “A Cypherpunk’s Manifesto“.

Pois bem, ao publicar as primeiras explicações sobre o “software” Bitcoin, Satoshi nos dá a primeira dica de como o Bitcoin funciona.

Bitcoin é um software, entre outras coisas

Bitcoin é software, Bitcoin é um aplicativo, entre outras coisas.

Qualquer um pode baixar o software que “roda” a rede Bitcoin, executá-la em seu computador, seja um laptop, seja um desktop. De preferência, em um computador que esteja permanentemente conectado à internet.

Quando o Bitcoin começou a funcionar em 2009, o software era muito leve – bem diferente das fazendas de mineração que vemos hoje em dia. Mas independente da força computacional atualmente exigida, se você executar este programa de computador na Internet, ele se conectará a outras pessoas que também estão executando este programa, apesar de você não saber quem são estas pessoas.

O software do Bitcoin não escolhe hardwares, pessoas ou localização.

Ele cria uma rede aleatória, que chamamos de rede ponto a ponto (P2P), onde todos os participantes do sistema são iguais.

Não existe um computador central ou especial que coordene o software do Bitcoin. Os computadores que executam o software estão apenas conversando entre si e criando uma rede.

Então, o software “aleatoriamente” se conecta a vários outros computadores executando o software Bitcoin e juntos eles criam uma rede, e essa rede é usada para trocar e propagar transações. Tais transações são codificadas em formato digital, e contém informações sobre a transferência de valor e a autorização para transferência de valor entre os participantes da rede bitcoin.

Ninguém controla esta rede, e este é um conceito importante: 

Ninguém controla a rede bitcoin.

Se você executa um desses computadores, você não controla esta rede. Você apenas executa um software através de seu computador que se conecta a outros computadores da rede bitcoin.

Quem executa o software Bitcoin, apenas se conecta com os outros computadores que estão executando o software Bitcoin, mas ninguém está no controle. Ninguém está no comando, assim como quando você executa um computador que se conecta na Internet e, se comunica com outros computadores na Internet.

Colaboração, comunicação e computação via criptografia

O software do bitcoin começou a funcionar em 3 de janeiro de 2009, e naquele dia, pela primeira vez, um sistema completamente independente de uma autoridade central e é completamente independente das instituições. E isto tem impacto na história do dinheiro, na história da confiança, na história das instituições e de corporações.

Pela primeira vez na história da humanidade, um sistema desenvolve relações de “confiança” como resultado de colaboração, comunicação e computação por meio de criptografia.

Este sistema permite que as pessoas troquem valor para transmitir dinheiro e esse dinheiro é chamado de Bitcoin

Então, Bitcoin é um aplicativo, um software que você executa no seu computador e que se comunica com todos os outros computadores que executam o software Bitcoin.

Bitcoin é o nome da rede que opera o Bitcoin, que é a coleção de todos esses computadores, cerca de onze mil em todo o mundo, e em qualquer lugar onde há internet.

E tudo isso é uma infraestrutura, que é usada para criar e transmitir “valor” na forma de transações representadas em um novo ativo – o Bitcoin.

O “dinheiro” BTC? 

A “moeda” Bitcoin é diferente de qualquer outra forma de “dinheiro” diferente de tudo que já vimos antes. Ah, você não consegue comprar um cafezinho com bitcoin? Talvez você ainda não tenha ouvido falar de Lightning Network e das soluções de segunda camada para resolver a escalabilidade do blockchain bitcoin e que estão em pleno desenvolvimento. 

A tecnologia não é estática, e assim como a internet, no seu início, era lenta e caia quando o telefone de sua casa tocava, a infraestrutura em torno do bitcoin também está em franca expansão. E o que pode ser verdade hoje, pode não ser mais amanhã. 

Pois bem, partindo da suposição que bitcoin é um ativo que pode vir a ser “moeda” algum dia… 

Bitcoin é um “dinheiro” que não existe na forma física, e pode ser transacionado globalmente, de qualquer lugar do mundo, por qualquer pessoa, mesmo sem uma conta bancária.

Aqui, importante destacar que já há muito tempo, a maioria dos ativos são uma forma abstrata de valor que não representam o valor em si. E este é um conceito interessante.

O dinheiro não é uma coisa valiosa “em si”. O dinheiro é algo que você troca por uma coisa valiosa. 

Pense em bananas. Elas não são um bom “dinheiro”, porque as bananas são o valor que você está tentando obter; enquanto o dinheiro é uma coisa que não tem valor intrínseco, não tem valor em si, mas que troca por bananas. 

O “dinheiro é simplesmente um símbolo e abstração que representa algo que pode ser carregado, que eu posso dar a alguém amanhã e, que provavelmente será aceito em troca de bananas.

Essa promessa futura de valor é a essência do dinheiro, que é a capacidade de ser um “token abstrato” que é imutável, eterno, mantém seu valor e representa a troca de valor no futuro como uma promessa.

Observe que, com o tempo, essas coisas abstratas sem valor intrínseco se tornaram cada vez menos físicas e cada vez mais abstratas. 

Já há algum tempo o dinheiro é abstrato, e isto antes do surgimento o Bitcoin.

Bitcoin não existe no mundo físico, mas impacta a teoria monetária

Se você, no início da civilização, dissesse a alguém: “olha, eu não vou te dar bananas pelo trabalho que você fez, vou te dar uma moeda de ouro brilhante. Mas não se preocupe, porque você pode usar isso para obter bananas.”

A resposta que você provavelmente obteria, é: “eu sempre tive bananas em troca do meu trabalho, e acho que gostaria de comer bananas, e não essa coisa amarela.” 

Dois mil anos e quinhentos depois, quem não acha que essa “coisa amarela” é tão ou mais valiosa que uma banana?! 

Imagine que agora você diga: “vou te dar um pedaço de papel em vez da coisa amarela, mas não se preocupe, você ainda pode converter isso em bananas.” 

A maioria das pessoas provavelmente dirá: “eu não acho que esse pedaço de papel seja dinheiro de verdade. Eu quero a coisa amarela”.

E algum tempo depois, você muda de idéia e diz: “Quer saber? Você também não vai receber o pedaço de papel. Não vamos te dar um pedaço de papel pelo seu trabalho. Agora, você vai olhar os números, disponíveis em uma página na Internet, que representam o valor que você possui no banco. 

Mas não se preocupe, você ainda pode usar isso para adquirir alimentos, produtos, serviços. E é dinheiro mesmo. Você não pode tocá-lo, você não pode ter isto fisicamente, porque será apenas um número.”

Bitcoin não tem forma física. Bitcoin é totalmente intangível, e não pode ser tocado. 

Bitcoin é simplesmente uma forma digital de “dinheiro” totalmente diferente de tudo que vimos até agora.

Bitcoin é diferente moeda fiduciária e de uma ação

Bitcoin não é um ativo que fica registrado no banco de dados ou nos registros de uma empresa. 

Não é uma forma digital de “dinheiro” que representa uma dívida com um banco central ou governo. Não é um ativo emitido por um governo soberano, um banco central, uma nação, ou um rei.

É um ativo emitido através da execução de um software de computação na internet, validado e gravado simultaneamente e de forma independente por cada computador participante da rede Bitcoin.

Como não há um emissor centralizado, e todas as transações ficam registradas na rede, o bitcoin não pode ser falsificado, não pode ser censurado, não pode ser apreendido ou congelado.

Pode ser transmitido de e para qualquer parte do mundo como uma informação. Pode ser verificado de forma independente por qualquer pessoa.

E não é controlado por ninguém. Seu valor não é controlado, sua emissão não é controlada por ninguém, sua propriedade não é controlada.

É transmitido diretamente de uma pessoa para outra “sem intermediários”.

Se eu usar meu telefone celular para fazer um pagamento em Bitcoin para alguém, estou criando uma transação digital, e são os computadores participantes da rede bitcoin que verificarão que eu possuo um certo número de Bitcoins e estou apto a transferi-los para esse alguém, através da prova de minha assinatura digital.

Com minha assinatura digital, eu autorizo a transferência de determinada quantidade em bitcoins para alguém, que poderá então controlar aquela quantidade de bitcoin recebida, por meio de sua própria assinatura digital, por meio de sua própria chave criptográfica privada.

Mas não se preocupe, você não precisa entender como assinaturas digitais ou chaves privadas funcionam para transacionar bitcoins. 

Quando você usa Bitcoin, você vê um aplicativo

Quando você transaciona Bitcoins, você vê um aplicativo em seu celular ou em seu desktop. Este aplicativo informa que você tem três Bitcoin, e permite que você insira o endereço de um destinatário (um número como um endereço de e-mail).

Esse mesmo aplicativo permite que você selecione a quantidade de Bitcoin que deseja transacionar e, quando você clica em enviar no aplicativo, ele usa a assinatura digital e a chave privada que está embutida em seu dispositivo para criar e assinar uma transação. 

Essa transação será anunciada para toda a rede Bitcoin que saberá: “A transferiu uma quantia X em bitcoins para B”. E, então, toda a rede bitcoin saberá que esta quantia X pertence a outra pessoa.

BTC é neutro

A rede bitcoin não sabe quem enviou bitcoins para quem. Quando você faz uma transação de Bitcoin, ela não está relacionada ou anexada à identidade

Você não precisa criar uma conta na rede bitcoin. Você não precisa se registrar, você não precisa fornecer identidade, nome, localização, endereço, idade, sexo, raça, religião, nacionalidade. Você nem precisa ser uma pessoa para enviar bitcoins para alguém. 

Bitcoin permite que, pela primeira vez na história, entidades não-humanas controlem ativamente um valor e possuam valor.

Concordo que isto pode parecer estranho, porque nunca tivemos isso em nenhum sistema legal do mundo. Existe a ficção legal de pessoas jurídicas e corporações que podem possuir patrimônio, mas pessoas jurídicas só podem existir como associações e corporações formadas por seres humanos vivos.

No Bitcoin, um agente de software que não pertence a ninguém, através do uso de criptografia, possua e negocie em Bitcoin internacionalmente. Pelo menos no campo material, não jurídico.

E tal cria algumas possibilidades muito interessantes e também muito perturbadoras. Imagine sistemas de inteligência artificial possuindo e controlando dinheiro, sem nenhum “ser humano” envolvido.

Você pode ter empresas que não têm diretores, nenhum ser humano no controle que é totalmente controlado por um software.

Mas continuando com nosso tópico… 

O que é preciso para por as mãos na prática?

Para quem adquirir bitcoins e começar a transacionar, o que é preciso? Basta ser capaz de baixar um aplicativo!

E note, isto é algo totalmente diferente de todos os sistemas de dinheiro que já tivemos. 

Para a geração da Internet, este é um conceito muito familiar. Ao abrir um navegador e começar a usar a internet, você não precisa se registrar ou obter alguma licença para navegar na web. Você não precisa criar uma conta para visitar a Wikipedia, ou para fazer uma busca no Google.

O único requisito para adquirir e começar a transacionar bitcoins é você ser capaz de baixar, instalar e operar um navegador na Internet.

Logo que a Internet surgiu, a ideia de permitir que cada ser humano pudesse se comunicar sem fronteiras, ou sem censura na World Wide Web era aterrorizante para as pessoas. Para algumas pessoas, isto ainda é assustador. As gerações mais jovens acham isso libertador em um sentido global. E o Bitcoin faz isso com o dinheiro!

O que acontece quando qualquer ser humano no planeta, pelo simples ato de baixar e instalar um aplicativo, pode se tornar membro de uma economia global sem fronteiras, que possibilita às pessoas transmitir e receber dinheiro à vontade, em qualquer parte do mundo, 24 horas por dia, de forma ininterrupta, nos últimos doze anos.

Com taxas que não dependem da quantidade de dinheiro que você está enviando, mas pagas simplesmente pela capacidade que você utiliza na rede.

Quanto você paga para transacionar bitcoins

Você pode transmitir uma transação de um bilhão de dólares em Bitcoin por menos de US$ 5 dólares, sendo que o custo médio global para uma transação internacional é cerca de US$ 200 dólares, segundo o Banco Mundial.

Importante destacar que não importa a quantidade que você envia em Bitcoins, o valor da transação não influi no preço da taxa de envio. Também não importa a distância, não importa se você está enviando bitcoins de uma cidade vizinha, de outro país ou outro continente. 

Ainda, não importa se quem envia bitcoins, e quem recebe, é uma pessoa física ou jurídica. Não importa se você está enviando para alguém que é rico ou pobre.

Por isso, Bitcoin muda completamente a teoria monetária e as finanças. E esta é apenas a ponta do iceberg, porque blockchain, a tecnologia que torna possível o Bitcoin e possibilita que transações valor sem intermediários, de forma segura e de qualquer lugar do planeta, abre toda uma gama de aplicações ainda inimagináveis.

Bitcoin não é apenas “dinheiro” para a internet, mas a revolução da “confiança”.

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Tatiana Revoredo
Tatiana Revoredo é membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Inovação e Tecnologia. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Especialista em Blockchain Business Applications pelo MIT. Especialista em Artificial Intelligence & Business Strategy pelo MIT Sloan & MIT CSAIL. Especialista em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Convidada pelo Parlamento Europeu para a “The Intercontinental Blockchain Conference”....
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