A cidade de Rolante, no interior do Rio Grande do Sul, é o município brasileiro que mais tem comércio que aceita pagamentos em Bitcoin no país.
O casal Ricardo e Camila, moradores da cidade, desenvolveram o projeto Bitcoin É Aqui com a intenção de colocar a pequena cidade na rota turística da região. Além disso, eles viram a oportunidade de ampliar o uso do Bitcoin como moeda na cidade.
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A iniciativa foi um sucesso e, em apenas quatro meses, Rolante se tornou uma referência para outros municípios que desejam implementar o Bitcoin como meio de pagamento.
Localizada no Vale do Paranhana, na região metropolitana de Porto Alegre, Rolante tem pouco mais de 20.000 habitantes. Distante 100 km da capital e a 60 km de Gramado, famoso polo turístico do Rio Grande do Sul, a região é conhecida pelas belezas naturais. Ou seja, o Bitcoin, na região, fomenta o ecoturismo.
E foi nesta pacata cidade que Ricardo e Camila decidiram empreender o projeto de convencer a maior parte de comerciantes a aceitarem Bitcoin como pagamento. O BeInCrypto foi até a cidade e conversou com Ricardo para entender o sucesso da iniciativa.
O efeito Bitcoin
Ao caminhar pelas ruas de Rolante, a atmosfera da cidade nos transporta para outra realidade. É difícil dizer se estamos vivenciando um futuro próximo ou se é apenas um laboratório de uma experiência ousada.
Pela primeira vez em minha vida, foi possível pagar um cafezinho com Bitcoin, no Dois Zé Café Bistrô. “É só ler o QR code na tela. Pronto já está pago”, diz Eliane Spindler, a simpática funcionária da cafeteria que não conhecia o Bitcoin antes do projeto.
“Os moradores ainda estão se adaptando com o novo sistema de pagamento. Mas o número de turistas aumentou bastante. Ontem eu atendi dois turistas americanos. O que mais pedem é o café Bitcoin”, relata.
Comerciantes estão otimistas com o futuro
Apesar da implementação do projeto ser recente os comerciantes estão satisfeitos com os resultados. Jean Carlos da Rosa, proprietário do Dois Zé Café Bistrô conta que o comércio já percebe as mudanças.
“Mais gente tem vindo conhecer a cidade. Os pagamentos em Bitcoin têm aumentado. A aceitação tem sido boa”, diz Jean.
Josué Dutra, proprietário do Xis do Vini, lanche tradicional da região sul, revela que o Bitcoin está criando uma economia circular na cidade.
“Ainda é muito recente, mas o uso tem aumentado. Ontem mesmo o dono da farmácia lanchou aqui e pagou com Bitcoin. A gente recebe em Bitcoin e faz compras no mercado, na farmácia, no salão de beleza é um dinheiro que está girando na comunidade”, relata.
Otimista, ele acredita que no verão o movimento de turistas deve crescer mais:
“A cidade é muito procurada por causa das inúmeras cachoeiras na região. Acho que no verão vai ter mais turistas do que o normal.”
O projeto
Depois de caminhar pela cidade e visitar alguns estabelecimentos que aceitam Bitcoin, encontrei com Ricardo na praça central de Rolante em frente a igreja matriz. Ricardo é investidor e entusiasta do Bitcoin, e o principal resopnsável pelo embrião do projeto Bitcoin É Aqui. Ele é quem nos conta como tudo começo. E a entevista você acompnha a seguir.
- Quando foi seu primeiro contato com o Bitcoin?
Faz tanto tempo que nem me lembro mais. Sou da época de minerar Bitcoin no navegador, sabe? Mas faz mais ou menos uns 10 anos atrás. Eu e um amigo brincávamos com a rede. A gente ficava transferindo Bitcoin um para o outro. Não guardamos nada. Apenas brincamos com a tecnologia.
Na época, a gente não tinha conhecimento. Não era para guardar, a gente entendia aquilo como uma experiência, uma brincadeira ou uma coisa assim. O pouco que acumulei usei para ajudar na compra do meu sítio aqui em Rolante.
Eu acho que isso sempre foi a minha paixão. Ficar testando as possibilidades, vendo onde que aquilo podia dar. Entendendo o funcionamento, se tinha alguma aplicação prática ou não. Acho que sempre foi isso que eu sempre gostei de fazer. Era uma paixão pela tecnologia em si.
- Quando foi que você se reencontrou com o Bitcoin e percebeu que dava para fazer algo mais?
Foi na pandemia. Eu entendi que o Bitcoin é um grande professor. Por ele ter regras tão rígidas e imutáveis, ele te ensina muito sobre economia. Durante esse período, no meu entendimento, eles estavam gerindo mal a pandemia com a impressão desenfreada de dinheiro.
Eu voltei a estudar o Bitcoin e cai novamente na parte técnica. Então comecei a rodar meu primeiro node da rede Lightning. Fui estudando e observando em que momento a rede estaria preparada para suportar uma cidade.
- Então o seu reencontro já foi pensando no projeto Bitcoin é aqui?
Foi assim um pouco planejado e um pouco por acidente. Como tudo né? Na verdade, assim, eu tinha um ideal já planejado. Eu queria. Eu tinha vontade que isso acontecesse, mas eu não acreditava nisso. A minha esperança era reunir quatro pessoas num bar para falar sobre Bitcoin, para mim já estava ótimo. Porque a minha ideia inicialmente era mostrar para as pessoas o que era o Bitcoin. Para que elas não caíssem em golpes.
É bem importante a gente olhar isso, porque atrapalha muito a todos. E aqui não foi diferente. Houve vários golpes na cidade e na região em que as pessoas se machucaram muito. E eu como conhecedor da tecnologia me senti mal por não conseguir evitar que isso acontecesse.
A ideia inicial era que uma agência de turismo aceitasse Bitcoin. Pois com uma agência aceitando começa a atrair turistas e então a movimentar. Mas um amigo que trabalhava na agência de turismo me disse que tentou convencer as pessoas, mas faltava argumentos para ele.
Então eu desenvolvi um material, um ebook para ele. Acabei enviando esse material para um outro amigo que leu e me disse que eu tinha uma palestra em mãos que precisava mostrar isso para as pessoas.
Os empresários da cidade já compreendiam a importância do Bitcoin, mas ainda não sabiam onde encontrar uma boa fonte de informação. Então um empresário influente da cidade me levou na ACISA (Associação de comércio e indústria da cidade).
Isso aconteceu no dia 15 de março. Em 30 dias, já éramos a cidade mais bitconizada do Brasil.
E, em 60 dias, a maior comunidade do mundo, segundo o BTC map. Recentemente fomos ultrapassados pela Polônia. Pois eles consideraram o país inteiro uma comunidade.
- Como foi a aproximação com a Associação?
Propomos uma apresentação para os empresários e foi bem aceito. Pois a abordagem da nossa palestra era de apresentar o Bitcoin como ferramenta. Inclusive o nome era Bitcoin é legal, para eles compreenderem que o Bitcoin é legalizado no Brasil.
- A aprovação da regulamentação ajudou?
Sim. E com a aprovação da palestra e apoio da associação, descobrimos mais pessoas que já tinham minerado Bitcoin. Antes o assunto era encarado como esquema para fraudes. O apoio da associação ajudou muito nesse sentido. O Bitcoin já não era mais visto como um esquema de pirâmide.
O espaço da palestra comportava 50 pessoas e, se fossem 15, eu já estaria satisfeito. Só que ao chegar o dia, tinham 60 pessoas lá. Teve gente que ficou de fora. Tivemos que marcar outra data. Então o projeto pegou tração.
Explicamos desde o básico até o uso da Lightning Network. Junto com a palestra/aula fizemos o desafio de encher o mapa com pontos de aceitação de Bitcoin. Pois se isso acontecesse a cidade viraria notícia atraindo o turismo. Ao final da palestra cadastramos todas as pessoas naquele dia e depois elas foram passando para as outras.
- Quais os resultados na área de turismo?
Muito. Tanto que quando lançamos o Bitcoin Spring Festival, em 4 dias, uma pousada foi toda reservada para um grupo que vem de Roma. Olha que legal, o pessoal de várias partes do mundo está atento. O projeto hoje é um movimento orgânico da comunidade.
- Como vai ser esse festival?
A ideia do festival é fazer algo diferente que seja marcado pelo clima de confraternização. Vai ter especialistas, network, palestras, mas também vai ter muita cerveja e música. A gente quer que as pessoas lembrem do clima acolhedor de Rolante. Parte dos lucros do festival será doado para a construção desse leito.
- O hospital também aceita Bitcoin?
O hospital começou aceitando Bitcoin como doação. Hoje já aceitam para fazer qualquer procedimento e agora estão montando o quarto Bitcoin.
- Como um novo comércio pode fazer para aceitar Bitcoin na cidade?
Já houve casos de pessoas que elas mesmas instalaram. Já tinham ouvido falar, pesquisaram na internet e instalaram. Assim como tem gente que, mesmo com algum conhecimento, prefere o nosso acompanhamento no início. E a gente acompanha, treina as pessoas e presta o suporte.
- Qual a razão do sucesso do projeto?
A estratégia que desenvolvemos foi o maior motivo do sucesso do projeto. Pois, não dá certo bitconizar um local e não prestar o suporte. Nós conseguimos despertar o senso de comunidade que é natural das cidades do interior. A essência do Bitcoin é a comunidade, cada um ajudando um pouco. E isso tem que ser despertado tanto na cidade pequena, que é mais fácil, quanto nas cidades grandes.
- Qual a importância da Lightning Network nesse processo?
Foi um divisor de águas. A Lightning Network possibilitou a transferência de Bitcoin de forma rápida. É tão rápida quanto o PIX.
- Como foi a aceitação da prefeitura da cidade?
Surpreendentemente positiva. A prefeitura procurou o promotor da cidade para saber se era legal, devido aos problemas com pirâmides de investimento. A resposta foi simples, não envolvendo investimentos vocês podem fazer o que quiserem. Inclusive fomos convidados para falar na câmara de vereadores para explicar o projeto.
A aceitação foi tão positiva que os próprios comerciantes estão querendo tematizar a cidade. Já existe a cuca Bitcoin, o alfajor Bitcoin, o café Bitcoin, a faca Bitcoin, o porta copos Bitcoin e é isso que a gente queria. Ligar o Bitcoin a coisas positivas.
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