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Público já aceita melhor a indústria cripto, diz presidente da ABCripto

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Atualizado por Júlia V. Kurtz

O mercado cripto avançou nos últimos anos no Brasil e na América Latina. Embora a repercussão de notícias negativas – como a falência da FTX – seja muito maior do que a das positivas, a indústria tem conseguido se firmar e ser reconhecida como séria, apesar de algumas maçãs podres.

Henrique Teixeira é Head Global de Novos Negócios da Ripio desde 2021 e foi eleito presidente do conselho da ABCripto em 2023. Nesta conversa com o BeInCrypto, ele fala sobre como a perspectiva sobre cripto mudou durante esse tempo, a relação das empresas com o governo e a importância da regulamentação para a indústria.

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O executivo tem mais de 20 anos de carreira e passagem por grandes empresas do mercado financeiro tradicional, como American Express, HSBC, Deutsche Bank, Citibank e SWIFT. Na indústria cripto, acumula uma passagem de quatro anos pela Ripple, com destaque para a liderança das operações na Ásia (Singapura) e no Brasil.

Henrique Teixeira
  • Você está na Rippio a cerca de dois anos. O que mudou no cenário cripto durante esse tempo?

Mudou muita coisa. Naquela época [2021] já existia um movimento muito forte de compra e venda nos mercados, porque os ativos digitais estavam se apreciando rapidamente. Foi bom para a indústria como um todo, não só para a Ripple.

Nós tivemos mais volume de negócios, mais clientes, maior valorização de ativos. Isto tudo atraia também aqueles que ainda não tinham entrado neste mercado, inclusive empresas que gostariam de entrar.

É um círculo virtuoso: quanto mais gente entra, maior a apreciação dos valores.

Só que aí chegou 2022 e aquilo que as pessoas chamam de “inverno cripto”. E essa era glacial durou mais tempo do que todos esperavam. Foi um ano com correções muito grandes nos preços de ativos digitais, que forçaram quem já estava no mercado a balancear suas carteiras.

Estas pessoas precisavam encontrar oportunidades para aumentar suas posições. E aqueles que ainda não tinham entrado poderiam comprar um ativo em um valor bem mais baixo do que o oferecido em 2021. Portanto, foi um trabalho de muita construção em termos de novos produtos e parcerias.

Agora, no início de 2023, nós já vemos uma recuperação interessante no valor de ativos, o suficiente para que eles voltem a receber a atenção de investidores, empresas e pessoas físicas como uma ótima opção de investimentos e diversificação do portfólio.

Olhando os dados, o Bitcoin (BTC) foi o ativo que mais valorizou, cerca de 60% [quando esta entrevista ocorreu]. Isto volta a criar o círculo virtuoso, com pessoas querendo aprender como funciona esse mercado e quais as oportunidades que ele oferece. E é bom também para quem já entrou no mercado poder ver as novas oportunidades e definir uma nova estratégia para o ano.

Outra coisa que mudou foi a questão da regulamentação, que foi aprovada no final de 2022. Ela traz um conforto maior para os players que são mais avessos a riscos e aos tradicionais, como grandes bancos, empresas de pagamento e e-commerce.

O próprio fluxo financeiro do mercado brasileiro, hoje em dia, olha para o setor cripto com mais confiança. Isto ocorreu depois da aprovação da regulamentação.

  • Há previsões que dizem que os ciclos de alta e baixa do Bitcoin serão cada vez mais longos. Ao analisar o comportamento da criptomoeda até agora, já é possível dizer se essa ideia é ou não correta?

Olhando os ciclos passados, nós conseguimos ter uma ideia de como o mercado vai se comportar, mas isso é como dirigir um carro olhando no retrovisor. Você pode  ter uma ideia do que vai acontecer se você já dirigiu por essa estrada e tem uma noção de o que pode encontrar a seguir.

Entretanto, podem acontecer eventos o meio do caminho que mudem um determinado padrão. Há fortes indícios de que esses ciclos vão continuar da mesma forma que ocorreram nos últimos 6 a 8 anos.

Mas é difícil ter 100% de certeza de que é isso mesmo que vai acontecer. Se eu tivesse que dizer um porcentual, ele seria certamente maior do que 50%.

Agora, podem ocorrer novos eventos regulatórios, como o ocorrido no Brasil, que foi positivo. Podem ocorrer estes eventos em outras economias do mundo. E tudo isso pode direcionar o preço para cima ou para baixo.

Podem ocorrer eventos relacionados à segurança, ao compliance, pode surgir uma notícia ruim de algum player importante. Tudo isso afeta o preço dos ativos digitais de modo geral.

O que nós podemos esperar é que os próximos ciclos do Bitcoin mantenham as características exibidas até aqui.

  • Os órgãos reguladores dos EUA estão aumento o escrutínio acerca de empresas do mercado de criptomoedas nos últimos meses. Como você vê esse movimento?

Nesse caso, estamos falando da SEC, que é a equivalente à Comissão de Valores Mobiliários do Brasil (CVM). Aqui no Brasil, nosso Banco Central segui por um lado diferente, que é regulamentar o mercado baseado no que é inovação e o que de útil ele pode entregar. A própria CVM está aberta para isso e dialogando com o mercado.

Há várias formas de encarar o problema, porém a tomada pela SEC não é a postura de conversar com o mercado antes de regulamentar. É a ideia mais drástica de multar os players, sem dizer o que eles fizeram de errado ou ajuda-los a encontrar o caminho correto.

Na prática, isso gerou vários processos de litígio nas grandes empresas. E, além dos custos, isso também demora tempo para resolver. Por fim, isso espanta outras empresas que queiram começar ou inovar nos EUA. Ou seja, elas vão atrás de outros países que possuem políticas mais amigável às empresas cripto.

Há várias empresas que ou mudaram seu escritório central ou sua operação completa dos EUA, ou desistiram de expandir para lá enquanto não houver maior clareza regulatória e um ambiente mais amigável.

  • Como é a relação do mercado brasileiro com a CVM?

A CVM tem se mostrado aberta para dialogar com o mercado. Ela, inclusive, publicou guias sobre ativos digitais, tipos e características.

Aí, sim, é a área de regulamentação dela. Há outros ativos que não são títulos, como stablecoins. E há também ativos que tem outras características e que são claramente títulos.

A CVM faz um trabalho interessante com o mercado e está aberta a dialogar e ajudar aqueles que querem inovar e investir na área. É uma postura diferente da adotada pela SEC.

Isso torna o Brasil um país aberto para novos players e vai resultar em mais investimentos e mais inovação daqui em diante.

  • Você recentemente foi eleito presidente do conselho da ABCripto. Quais são os desafios mais importantes enfrentados pelo mercado brasileiro hoje?

Olhando os números, a quantidade de pessoas físicas e jurídicas que tenham ativos digitais no Brasil vem crescendo de forma incrível, se compararmos com esses países. Nós estamos na sexta ou sétima posição no ranking de adoção, com potencial de subir ainda mais.

O que temos notado é que o ambiente mais amigável dos reguladores traz mais conforto para empresas. Há empresários e investidores institucionais estrangeiros que abriram operações no Brasil através de investimento direto. Ou seja, o ambiente facilita no final do dia. Ele faz com que o empresário se sinta mais seguro em relação a seus investimentos.

Mas é claro que ainda há dificuldades. A regulamentação que foi aprovada, por exemplo, começa a entrar em 180 dias [a partir da data de aprovação] e ainda falta uma determinação de qual órgão vai controlar o mercado. Eu acredito que deva ser o Banco Central. Muito provavelmente, a CVM vai ter um papel importante nos ativos que são mais parecidos com títulos.

Eventualmente, as empresas que não estão cumprindo determinações locais precisam alterar. Mas, se isso não estiver claro, como nós vamos começar a reparar os problemas e permitir que os bons player progridam?

Eles vão poder se adequar ao regulamento e progredir no mercado ou vão precisar adaptar seu modelo de negócio ou vão deixar de operar? Acho que nós vamos notar movimentos nesse sentido nos próximos meses.

  • Uma das consequências do inverno cripto foi a falência de várias empresas grandes da indústria. O público brasileiro entendeu isso como uma crise local destas companhias ou como algo endêmico do mercado cripto?

Este foi um momento em que ocorreram eventos ruins para o mercado. Obviamente, ninguém gostaria que eles ocorressem, mas podemos ver o lado positivo. É algo interessante para explicar para o mercado quais os riscos de se operar tanto local quanto globalmente.

É importante para o investidor, seja uma pessoa ou uma empresa, que tenha se posicionado em ativos digitiais ficar atento a estes riscos, através de muita educação e diálogo com a indústria para tomar suas decisões. Seja de quanto ou como investir, quais players oferecem mais seguranças e quais são mais arriscados.

Esta segurança que o mercado precisa é exatamente a que se tem retirando erros, que geralmente são o não cumprimento de uma regulamentação. É preciso cumprir com as normas locais e, por exemplo, reportar à Receita Federal para recolher tributos.

É necessário que o público entenda que há mais risco em trabalhar com um player internacional que não obedece à regulamentação do que com uma empresa local que obedece às normas brasileiras.

  • Muitas pessoas só têm contato com o mundo cripto quando veem notícias negativas, como os inúmeros casos de golpes – ainda que muitos deles não envolvam criptomoedas. O quanto isso influencia a visão delas do mercado, especialmente a visão de políticos que precisam tomar decisões de como tratar essa indústria?

Se nós olharmos para três, quatro anos atrás, a maior parte do tempo que nós conversávamos não só com parlamentares como com empresas de indústrias tradicionais, como trad-fi, essa era a preocupação: pirâmides e fraudes.

Só que já foi provado, estatisticamente, que existem muito mais fraudes no mercado financeiro tradicional do que no mercado cripto, proporcionalmente.

É algo parecido com o que ocorreu quando a internet foi criada. Na época, começaram a ter problemas, como crimes ou scams. Mas a internet não foi banida. Foram criadas normas para perseguir as pessoas que usavam a internet para essas coisas.

Se a pessoa tem um carro, não é ele ou uma bicicleta que vai roubar um celular ou assaltar alguém. E não é por isso que nós vamos banir os carros das ruas.

É a mesma coisa no mercado cripto. Ele é um mercado sólido e honesto e há vários casos de uso no sistema financeiro tradicional que podem melhorar usando cripto. São casos de pagamento, transferências internacionais e programas de recompensas. E que, se eventualmente aparecer algum mal elemento querendo usar a tecnologia para cometer um delito, a justiça vai atrás e vai aplicar as punições necessárias.

Mas, não há um movimento para banir uma ferramenta que dá resultados. Eu acho que essa questão já melhorou uns 95% em relação ao que existia no passado e as pessoas, talvez, ainda não tenha acesso às informações das empresas do mercado para refletir sobre o que se tem falado.

Ainda assim, é algo que chama muito a atenção quando aparece na imprensa. Além disso, há um interesse em se vender esse tipo de comunicação.

Hoje em dia, por outro lado, tem se falado muito menos sobre isso e mais sobre oportunidade de negócios e casos de uso, como cripto pode ser usada de uma forma prudente.

Inclusive, atualmente, o BC também tem falado bastante sobre CBDC e o próprio governo tem várias iniciativas sobre isso.

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Júlia V. Kurtz
Editora-chefe do BeInCrypto Brasil. Jornalista de dados com formação pelo Knight Center for Journalism in the Americas da Universidade do Texas, possui 10 anos de experiência na cobertura de tecnologia pela Globo e, agora, está se aventurando pelo mundo cripto. Tem passagens na Gazeta do Povo e no Portal UOL.
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