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O vácuo legal na manipulação do mercado de criptomoedas

4 mins
Atualizado por Paulo Alves

As finanças descentralizadas (DeFi) introduzem uma economia disruptiva, que possibilita a oferta de produtos antes somente disponibilizados por instituições financeiras. O conceito de descentralização e acesso geral à economia de criptomoedas propaga a igualdade entre mundos, em especial quando 31% da população adulta mundial não possui acesso ao sistema bancário.

O desenvolvimento de blockchains mais escalonáveis, rápidos e de fácil acesso aos usuários deu espaço a um mercado de DeFi em plena ascensão, com novos projetos surgindo constantemente. Além de todas as facilidades trazidas pela DeFi, o que atrai muitos usuários é a falsa promessa de lucros rápidos, dados os diversos casos em que os tokens tiveram uma supervalorização, com números que dificilmente são vistos nos mercados tradicionais.

No entanto, o retorno é sempre diretamente proporcional ao risco e, por se tratar de um mercado novo e que exige conhecimento técnico, sua falta de legislação clara pode expor seus usuários às fraudes de manipulação de mercado já conhecidas nas finanças tradicionais.

Pump & Dump

Diversas são as práticas irregulares que buscam influenciar o mercado, seja tradicional ou de criptomoedas. No âmbito das DeFis, uma das práticas mais regulares é a inflação artificial de preços, seguida do despejo dos ativos do mercado, o que é conhecido como pump & dump.

De forma resumida, pump & dump é a manipulação do preço de um ativo através de fraude. A prática consiste em criar volatilidade de preço artificial por meio de notícias falsas ou erradas, disseminação de boatos e demais meios que levam o investidor a adquirir um ativo que possui pouco ou nenhum volume. Com isso, busca-se aumentar o valor do ativo (pump) por um curto período de tempo, para que os responsáveis depois despejem os ativos no mercado, obtendo lucros e causando a queda brusca do ativo (dump) e o prejuízo dos investidores.

Os ativos que possuem baixo preço e pouca liquidez são mais passíveis de sofrerem o pump and dump. Em razão disso, as DeFi são mais suscetíveis a este risco, em especial nos casos em que se soma a alta concentração de ativos em poucas carteiras.

Projetos brasileiros de DeFi acusados de pump and dump

É o caso da criptomoeda Vira-Lata Finance (REAU) que viralizou nas redes sociais por meio da incansável atuação ativa da comunidade. No entanto, após algum tempo, o preço do ativo caiu 82%, tendo os administradores, diante de algumas controvérsias, encerrado o canal do Telegram que detinha contato direto com o seu público.

No caso do Louvre Finance, youtubers brasileiros propagavam a criptomoeda de forma agressiva em seus canais, prometendo ganhos rápidos e garantidos. Dias após as publicações, a moeda derreteu, deixando seus investidores desamparados.

Mas, e a regulação dos mercados?

A regulação dos mercados de capitais busca proteger o patrimônio e a igualdade dos investidores, a confiança deles no mercado, assim como o correto funcionamento do mercado.

Para tanto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em sua Instrução Normativa CVM nº 08/1979, trata da manipulação de mercado e veda, em termos gerais, os participantes do mercado de valores mobiliários de criarem condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, assim como a manipulação do preço e a realização de operações fraudulentas.

A mesma narrativa é utilizada na esfera penal, com a lei que rege o Mercado de Valores Mobiliário criminalizando a prática da Manipulação de Mercado como sendo:

“Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros”.

No entanto, é temerário afirmar que as legislações acima são suficientes para salvaguardar a realidade das criptomoedas.

Leis penais brasileiras aplicadas a criptomoedas

A primeira questão a ser abordada é o quão aplicáveis são os tipos penais com relação aos delitos praticados no mercado de criptomoedas.

A falta de definição jurídica específica do que são as criptos dificulta a punição, uma vez que o direito penal veda a analogia – ou seja, a interpretação por meios disponíveis que busca preencher a lacuna do direito através de elementos no próprio direito – em especial quando sua aplicação for desfavorável ao réu.

O crime de furto é definido como “subtrair… coisa alheia móvel”. Ou seja, se não for coisa, alheia ou móvel, não pode ser furtada. O mesmo comparativo pode ser feito entre criptomoedas e valores mobiliários. A análise da semântica dos tipos penais é essencial para entender se o sistema jurídico penal brasileiro protege os investidores/traders/usuários da manipulação do mercado de criptomoedas.

Por ora, a resposta seria não.

A CVM, ao se posicionar informando que as criptomoedas não são valores mobiliários uma vez que não estão descritas no artigo 2º da Lei 6385/86, afasta a aplicabilidade às criptomoedas das legislações que salvaguardam expressamente os valores mobiliários.

Outra alternativa seria buscar respaldo na lei dos Crimes Contra a Economia Popular, tendo a lei que foi criada em 1951, em seu artigo 3º inciso VI, a figura genérica da manipulação de preços como um todo, com pena base de 2 anos.

No entanto, aqui caberia a discussão do bem jurídico tutelado, ou seja, se a proteção dos interesses econômicos da sociedade pode ser aplicada às criptomoedas.

Como provar irregularidade?

Por fim, destaca-se que, no âmbito das criptomoedas, a prática demonstra que a comprovação da atuação irregular beira o impossível.

No caso do REAU, os responsáveis alegam que não houve golpe, que o projeto foi vítima de fake news e que a queda brusca do valor trata-se apenas de correção regular do mercado.

Já no caso do Louvre Finance, o projeto segue em pleno funcionamento, sem maiores investigações.

Sendo assim, o cenário encontra-se em aberto com o risco para os investidores desatentos que podem não estar protegidos pela lei.

A questão a ser demonstrada é a falta de amparo legal às vítimas, assim como o risco dos golpes se mascararem como sendo mero risco do mercado. Sem ter uma previsão legislativa passível de sanar o problema, o foco deve estar na prevenção através da educação e conhecimento.

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Luciana Simmonds
Luciana é advogada criminalista, sócia do escritório Possídio, Rosemberg, Sá, Espinheira, Simmonds Advogados, com mais de 10 anos de experiência no consultivo e contencioso criminal, especializada em Compliance e Direito Penal Econômico pela FGV-SP, cursando LLM em Mercado Financeiro e de Capitais pelo INSPER, e membro do Women's White Collar Defense Association. Entusiasta e pesquisadora de criptomoedas e blockchain e seus reflexos legais.
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