O mercado de tokens não fungíveis (NFTs) explodiu em 2021, com projetos arrecadando muitas vendas e grande volumes de negociação. Mas como ele pode continuar existindo após o inverno cripto do ano seguinte?
O especialista em tecnologia da informação Marcos Botelho, que é diretor do mercado NFT PIRA Digitals, acredita que o mercado precisa entender que há uma diferença entre a tecnologia que permite a distribuição da arte digital da arte em si. Para ele, os NFTs só vão se solidificar quando aprenderem que é necessário ter utilidade além da tecnologia.
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Botelho conversou com o BeInCrypto sobre o mercado de arte digital, a má fama que o termo NFT adquiriu e a influência de IA na produção artística.
- Como a PIRA Digitals começou?
O projeto começou como uma forma de causar impacto de arte física. Na verdade, o nome “PIRA” é uma sigla para “parque interativo Rua e Arte”. Ou seja, ele era um projeto inicialmente de arte e já tinha verba para isso, inclusive da Lei Rouanet.
Só que, em seguida, quando nós começaríamos a captar recursos, chegou a pandemia. Quando eu me vi nessa situação, percebi que precisaria de alternativas. Eu já conhecia o mundo cripto e o blockchain, mas não a fundo.
Foi então que percebi que seria uma oportunidade de usar NFTs, que naquele momento ganhavam protagonismo. E então decidi migrar o que era físico para o universo digital. Foi só em seguida que percebi que isso poderia ser ainda mais amplo que o universo das artes.
Depois disso, nós arrecadamos capital, investimento anjo e executamos o PIRA Digitals. Ele é um marketplace brasileiro 100% web3, que foi lançado no começo de 2022. Nele você pode comprar, vender e até cunhar seu NFT.
- O seu público, portanto, era inicialmente voltado a artes físicas. Como foi para ele fazer essa migração para arte digital e NFTs?
Não foi simples e, na verdade, não tem sido simples. Mas nós entendemos que a tecnologia é muito boa e que vale a pena passar por esse momento. É um período de entendimento e de aprendizado do público em geral.
Eu, pessoalmente, estudei mais a fundo a tecnologia desde aquela época. Hoje, eu até dou aula sobre NFTs de tão fundo que mergulhei nesse assunto. Eu consumi NFTs, frequentei os maiores marketplaces do mundo e usei isso para construir o PIRA.
Por outro lado, para o público em geral, não é simples entender que é a tecnologia. Eu acho que nós só vamos, de fato, massificar ela quando ela ficar imperceptível, quando se tornar um pano de fundo para o que está sendo desenvolvido e não ser uma explicação necessária para alguém ter que usar alguma coisa.
Por exemplo, hoje, para você usar ou consumir NFTs, precisa ter uma carteira, entender um pouco de blockchain. Isso precisa ficar mais fácil com o tempo para que as pessoas realmente possam adotar.
Os artistas foram precursores na adoção de NFTs como mais uma forma de divulgar e receber por seu trabalho. Esse movimento veio do exterior, mas não foi feito por grandes artistas. Ou seja, chegou um momento em que os artistas brasileiros também ouviram falar dele.
Assim, nós tínhamos conhecimento da existência de NFTs. Muitos não sabiam exatamente o que era, mas não eram completamente leigos no assunto. Houve dificuldades, claro, afinal todos ainda tem algumas dúvidas sobre como funciona. Mas os artistas já estavam sabendo um pouco.
Eles já ouviram falar de outros artistas no exterior usando a tecnologia, ganhando dinheiro ao vender suas coleções e divulgando seu trabalho. Também havia um desejo de entrar nisso e entender como funciona.
Portanto, nós conseguimos captar alguns artistas interessados desde o início do PIRA. Muitos deles brasileiros, principalmente do cenário de arte de rua.
Nós temos inclusive a previsão de uma coleção com o Eduardo Kobra, que é o mais importante artista brasileiro de grafite.
Essa desconfiança com NFTs já existia nos artistas, mas, quando você explica o que ela é e o que a tecnologia é capaz, fica claro que a especulação existe e é prejudicial, mas ela é inerente ao ser humano e está em toda a atividade com dinheiro envolvido.
Quanto mais dinheiro, maior a especulação. Ativos digitais, como criptomoedas e NFTs, sofrem com isso. Ainda há muita gente que não age corretamente nesse meio, mas acredito que a tecnologia vai chegar em um ponto em que ela será só uma ferramenta para certificações para qualquer item que precise ser único.
E a pessoa nem vai precisar saber que a certificação é feita através de um NFT. Ela vai dizer que tem um documento, uma certidão ou um ingresso, tudo via NFT.
- O próprio Reddit está vendendo NFTs, mas os chama por outro nome. Com isso, eles estão chegando a um público que não gosta da tecnologia e vendendo um volume muito alto.
O Reddit foi muito esperto nisso. Ele fez pesquisas internas e descobriu que a rejeição ao termo NFT era muito alto. Então ele foi para o mesmo lado que muitos estão indo, que é chamar o NFT de colecionável digital próprio. O Instagram também fez a mesma coisa.
Isto ocorreu porque algumas pessoas não entendem muito bem o que é um NFT. Por isso, elas associaram o termo a algo negativo. O Reddit percebeu isso e fez algo mais simples de explicar e que eu acho que é a forma correta: “olha, nós estamos lançando uma coleção aqui e, se você quiser comprar, terá estes direitos e estas possibilidades”.
Um outro case semelhante a esse, do ponto de vista de estratégia, é o do Starbucks. Ele criou colecionáveis digitais ao criar um sistema de fidelidade para quem consumir e não chamou isso por qualquer nome. Ele só disse “olha, você vem aqui há algum tempo, então pegue uns adesivos digitais”.
E, se você for colecionando, vai ganhando pontos que pode trocar por produtos como qualquer programa de fidelidade. É como aquele cartão de padaria, para manter a gente consumindo. Depois de 3 ou 5 pães de queijo, você ganha o sexto de graça.
Essa é a linha para quem quer se dar bem trabalhando com NFTs. A pessoa não precisa saber a tecnologia que está por trás daquilo, só o benefício que está recebendo.
Por exemplo, eu não sei como minha TV funciona. Não sei como meu computador funciona, ou mesmo como a internet funciona. O fato é que funciona e é uma tecnologia melhor, então eu preciso saber usar essa tecnologia mas não necessariamente como ela funciona.
O importante do blockchain é a segurança que ele possibilita: é a primeira vez que ativos digitais ganham valor real. E você não pode mais dar um Ctrl+c, Ctrl+v para multiplicar aquele item milhares de vezes. Você pode dizer que ele é único, ou finito.
- A maior parte dos mercados NFT só aceita pagamentos em criptomoedas. Ou seja, para um iniciante consumir NFTs, é necessário aprender cripto primeiro. Isso dificulta a adoção em massa?
Simplificar isso é fundamental para a adoção em massa. Eu não vi esse movimento nas grandes plataformas no exterior. Entretanto, isso já é algo pensado pelos marketplaces no Brasil. O PIX, por exemplo, deve ser o sistema que vai ajudar a dar essa experiência para o usuário.
Nós devemos implementar isso até a metade do ano. O cliente vai poder comprar com PIX e vai receber também uma carteira digital criada automaticamente sem que ele perceba. E ele vai ser o dono dela e vai poder negociar NFTs com uma experiência muito parecida com a que nós temos hoje em qualquer mercado web2.
Isso é fundamental para a adoção. Esse tipo de movimentação só existe em algumas plataformas ligadas a games. E os games NFT são os que estão tentando fazer isso, não os mercados.
E isso precisa acontecer. Ainda mais porque, para as pessoas em geral, é difícil de entender, de usar e, ao mesmo tempo, arriscado, porque com apenas um clique você faz uma transação irreversível. A maior parte das pessoas não vai topar entrar nisso.
Portanto, o nosso trabalho como desenvolvedores de mercado, hoje, é criar ferramentas e mecanismos para que essa experiência do usuário seja próxima da que ele já tem com a web2 em qualquer site ou mercado que ele entre.
Se ele tiver dúvidas, vai parar de usar a tecnologia, porque ela ficou complicada demais.
- A aceitação do PIX como ferramenta facilita a compreensão de cripto como tecnologia?
O PIX é uma invenção brasileira fantástica. Nós estamos na frente do mundo nesse aspecto, porque ele funciona super bem da forma como foi proposto.
Ele funciona todo dia, toda hora e permite fazer pagamentos que, nós costumamos esquecer, eram impossíveis durante finais de semana e feriados. Eu nem lembro a última vez que precisei de dinheiro físico.
O PIX realmente facilita a explicação de cripto. Muitas vezes, quando vou explicar para um leigo o que é cripto, o que é uma carteira, ou como faço pra mandar dinheiro com um toque, eu faço analogia com o PIX. E falo: “olha, é como se você estivesse fazendo um PIX. Você vai mandar o dinheiro para um endereço de carteira que é como se fosse uma chave”. Assim, é muito mais fácil explicar.
E o Brasil é precursor dessa tecnologia para o resto do mundo. É algo irreversível, é muito difícil imaginar que notas em dinheiro vão voltar.
- O Banco Central está desenvolvendo o Real Digital, que é a próxima etapa lógica dessa mudança. O PIX ajuda a aceitar uma CBDC no país?
Eu acho que vai. Eu tenho uma visão um pouco diferente de alguns maximalistas. Algumas pessoas ainda tem preconceito com isso, mas eu acho que vai ser bom para o mercado, porque vai popularizar o uso de cripto. Você vai ter um dinheiro fiat e cripto, o que vai fazer com que mais pessoas entendam a tecnologia e passem a fazer transações.
Eu vejo como uma forma positiva, assim como qualquer regulação do governo. Hoje, nós estamos em um limbo regulatório em todo o mundo. As pessoas não sabem o que podem ou não podem fazer.
É até preferível que exista essa regulação e exista o mercado cripto oficial para que nós possamos nos adequar. Não é questão de se a regulação vai ser boa ou ruim. Nós discutimos e tentamos melhorar e, em seguida, falamos com o governo e, se necessário, vamos a outra jurisdição, porque sempre vai ter alguém que entende melhor a tecnologia e vai permitir que as empresas trabalhem de forma mais correta.
Mas, a ausência da regulação é muito ruim, então eu vejo com bons olhos o governo estar de olho nessa questão.
Já existem alguns testes oficiais do real digital e ele vai ser muito positivo para o mercado.
- O marco das criptomoedas do Brasil é bom?
A regulamentação no Brasil ainda é precária. Na verdade, é assim em todo o mundo e aqui não é exceção. A nossa não é nem melhor nem pior que a da maioria dos países.
Ainda existe um certo limbo e um pouco de falta de entendimento do governo do potencial da tecnologia e da necessidade de fomentar o mercado em vez de reprimi-lo. Só que há um momento em que isso há de evoluir e nós vamos chegar a uma legislação melhor.
O governo atual não tem um posicionamento claro oficial de para onde ir nesse assunto e nós tivemos apenas algumas declarações específicas. O presidente do Bacen [Roberto Campos Neto] é, inclusive, é pró-cripto e pró-regulamentação.
Mas a legislação ainda carece de algumas melhorias, mas isso é natural e não é do dia para a noite que ela vai estar 100% certa. A tecnologia é sempre mais rápida que o legislador.
- Quais foram os impactos do inverno cripto de 2022?
Foi um grande desafio. Você vê um mercado que estava muito forte até o fim de 2021. Obviamente, na época em que nosso projeto foi concebido. Mas, claro, nós sabíamos que o inverno chegaria em algum momento.
E a posição de investidor nesse momento é difícil, porque você coloca dinheiro sabendo que ele volta em algum momento, mas sem ter a certeza de quando. Ao mesmo tempo, isso te força a ser mais eficiente, mais enxuto e a fazer apostas mais assertivas no que a tecnologia pode fazer de melhor e de uma forma mais rápida.
Quando você está em um mercado com abundância de dinheiro, você lança qualquer coisa e qualquer coisa vende. Pode ser mais ou menos, mas vende.
Nós percebemos, com toda essa crise mundial, que as empresas permanecem investindo. Essa é a prova de que esse mercado é realmente fantástico.
- Muitos investidores no Brasil têm a falsa ideia de que é fácil enriquecer rapidamente no mercado cripto. Os artistas também têm essa concepção?
Isso era mais comum no começo, uma ilusão de quando o mercado estava em alta. “Eu vou lançar qualquer coisa e vou ser o cara que vai ganhar milhões independente do que seja”. Mas a queda foi tão rápida que os artistas entenderam logo que não é por aí.
Uma coisa que nós sempre tentamos mostrar é que NFTs e blockchain são uma ferramenta para entrar no universo da arte digital. Se sua arte for boa, ela vai ter aceitação. Nós só fornecemos a tecnologia para impulsionar.
Se ela não for boa, não vai gerar interesse do público. E não vai ser o NFT que vai fazer com que ela dê certo. Nossa preocupação é sempre mostrar os limites da tecnologia e que ela não é maior que o apelo do próprio projeto.
As pessoas precisam entender do que a tecnologia é capaz, onde ela pode ajudar e, em seguida, trazer isso para o cotidiano das pessoas.
Isso é diferente de achar que todo mundo vai ficar rico com um BAYC. No Brasil, muitas pessoas conhecem a tecnologia como o macaquinho do Neymar, porque ele comprou 1, ou 2. E isso é uma ilusão, porque são poucos os que tem o capital para comprar isso e fazer ter valor.
Por outro lado, se você criar um NFT que tenha um uso para a vida, para o dia a dia das pessoas, você terá um produto com apelo para o consumidor. Esse é o trabalho que nós fazemos com artistas e marcas que nos procuram.
- A arte gerada por inteligência artificial (IA) se tornou um fenômeno em 2022. Como os artistas veem esse debate?
São opiniões variadas. Há artistas que entendem que isso pode ser algo superinteressante e há os que acham que pode ser uma ameaça.
Eu acredito que a IA é uma revolução que está a nossa porta. Ainda é difícil avaliar os benefícios e malefícios dela, mas é certo que a transformação será gigantesca. Não tenho dúvidas disso.
Nós vamos ter uma divisão no universo da arte. Já existem NFTs criados por IA com valores altos. E essa divisão vai ocorrer também na música, no cinema. A IA vai entrar e nós seremos avisado que o produto foi feito por ela, ou feito 100% por humanos.
Vai ser como a divisão que nós temos hoje se algo foi manufaturado ou industrializado. Mas a revolução, em si, já está na nossa porta, com impactos gigantescos na economia.
Por exemplo, apesar de todo o hype que existe no Brasil por causa do ChatGPT, as pessoas ainda não sabem até onde a tecnologia pode chegar. Nós teremos muitas funções que não serão mais exercidas por humanos. Muitos aprendizados as pessoas não vão mais precisar ter. Eles vão usar IA.
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