Entusiastas do Bitcoin há muito defendem a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin como uma proteção contra a inflação que pode reduzir a dívida nacional e reforçar a posição dos Estados Unidos como líder financeiro global.
Sua implementação também poderia desencadear vários efeitos prejudiciais na economia dos EUA, com consequências se espalhando pelo mundo. O BeInCrypto conversou com Haider Radique, Diretor de Marketing da OKX Exchange, para detalhar os riscos de criar uma reserva estratégica de Bitcoin.
Reservas estratégicas de Bitcoin crescem em popularidade
O conceito de uma reserva estratégica de Bitcoin ganhou popularidade ao longo dos anos, tanto nos Estados Unidos quanto mundialmente.
Uma reserva estratégica é um estoque de recursos cruciais adquiridos pelo governo federal que pode ser usado para enfrentar interrupções significativas no fornecimento. Muitos entusiastas de cripto têm feito campanha para que governos adotem o Bitcoin como uma reserva estratégica.
Nos Estados Unidos, 15 estados já introduziram ou aprovaram projetos de lei para fazer exatamente isso. A senadora republicana de Wyoming, Cynthia Lummis foi uma das primeiras políticas a introduzir esse tipo de legislação em nível federal.
Lummis pede que o Tesouro dos EUA adquira um milhão de Bitcoin ao longo de cinco anos em seu proposto BITCOIN Act. A reserva de Bitcoin seria mantida intacta por pelo menos 20 anos.
Países como Alemanha, Suíça, Rússia, Brasil e Polônia também tomaram medidas na mesma direção. No entanto, vários grandes players da indústria financeira temem intensa instabilidade econômica e volatilidade de mercado se uma reserva estratégica de Bitcoin for criada.
Esse medo é particularmente relevante se os Estados Unidos estabelecerem tal reserva, dado seu papel como guardião do comércio global e emissor da moeda de reserva mundial.
“Na verdade, a ideia de uma Reserva Nacional de Bitcoin parece boa – serviria como um endosso do Bitcoin pelos Estados Unidos, e certamente teria o potencial de agitar os mercados a curto prazo. Mas se você olhar mais de perto, pode haver uma série de desvantagens que deveriam fazer a indústria pausar e refletir sobre potenciais consequências negativas a longo prazo,” disse Radique ao BeInCrypto.
Compreender como uma reserva funciona é vital para entender os riscos associados.
Estoques de Bitcoin vs Reserva Estratégica de Bitcoin
Com Donald Trump como novo presidente dos EUA, entusiastas do Bitcoin estão se preparando para uma chance real de criar a tão esperada reserva.
Duas semanas atrás, Trump assinou uma ordem executiva para estabelecer um estoque nacional digital. A ordem convocou a criação de um grupo de trabalho para explorar essa possibilidade. O grupo tem até julho para apresentar um relatório sobre os critérios para tal estoque.
Alguns participantes da comunidade cripto ficaram desanimados com essa medida, dado que a natureza da ordem era particularmente distinta de uma reserva de Bitcoin. Enquanto o conceito de um estoque deriva de ativos apreendidos principalmente produzidos de atividades ilícitas, uma reserva implica na compra de Bitcoin adicional.
Os Estados Unidos já possuem o maior estoque de Bitcoin do mundo. O governo federal detém pelo menos 198.800 BTC adquiridos por meio de apreensões governamentais, atualmente avaliados em aproximadamente US$ 19 bilhões. Os países que ficam atrás são China, Reino Unido, El Salvador e Ucrânia.
Uma reserva de Bitcoin, por outro lado, exigiria a compra de mais Bitcoin. Lummis propõe essa abordagem em seu BITCOIN Act. Segundo seu plano, o Bitcoin seria diretamente vinculado ao dólar americano para fortalecer a moeda. Essencialmente, essa visão implica em um sistema monetário onde o Bitcoin assume um papel ativo.
A necessidade urgente de introduzir uma mudança tão drástica no sistema monetário atual dos Estados Unidos permanece incerta.
Debate sobre o papel do Bitcoin como ativo de reserva
Retornando à definição de uma reserva estratégica, o governo federal compra essas commodities em tempos de necessidade econômica. A maioria dos economistas se refere à Reserva Estratégica de Petróleo como um exemplo chave do conceito.
Em 1975, o presidente Gerald Ford criou a reserva quando membros árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) impuseram um embargo de petróleo contra os Estados Unidos que causou impactos na economia americana.
A legislação exigia o armazenamento de até um bilhão de barris de petróleo, reconhecendo seu papel crítico na economia. Sem petróleo, a atividade econômica cessaria.
Essas reservas continuam a servir a um propósito crítico. Em resposta à invasão russa da Ucrânia, o presidente Biden recentemente utilizou essas reservas para aliviar a pressão sobre os preços da energia.
Por outro lado, o Bitcoin não serve a um propósito crítico que justifique esse tipo de armazenamento urgente, nem seu uso é crucial para o funcionamento da economia dos EUA. Seu papel como ativo estratégico permanece amplamente incerto.
Além disso, adquirir grandes quantidades de Bitcoin provavelmente levaria a uma volatilidade significativa do mercado em vez de estabilidade econômica. Se os Estados Unidos comprassem grandes quantidades, isso rapidamente reduziria a oferta disponível no mercado.
Se o governo dos EUA decidisse adquirir grandes quantidades de Bitcoin, a liquidez de curto prazo nos mercados seria restringida, o que poderia implicar em volatilidade massiva em ambas as direções. Na verdade, devemos lembrar que a grande maioria dos endereços de Bitcoin – quase 72% de acordo com a CoinMarketCap – são detentores de longo prazo de mais de um ano. Uma aquisição em massa de Bitcoin poderia, portanto, restringir ainda mais a liquidez no curto prazo, explicou Radique.
Esses movimentos bruscos na oferta de Bitcoin também preocupam os investidores.
Impacto na confiança no US$
Se os Estados Unidos criassem uma reserva estratégica de Bitcoin, os investidores poderiam interpretar isso como o governo federal decidindo apoiar o dólar americano com o ativo digital em vez de ouro. Em outras palavras, os EUA enviariam sinais de perda de confiança no sistema atual baseado no dólar.
Em um recente artigo de opinião, Nic Carter usou esse argumento para defender contra a criação de uma reserva de Bitcoin.
Os EUA considerando um abandono a curto prazo do sistema monetário atual, relativamente estável, e substituindo-o por um padrão monetário não baseado em ouro, mas em um ativo emergente e altamente volátil, causaria pânico total entre seus credores. Na minha opinião, se chegássemos perto de uma reserva ao estilo Lummis, os mercados começariam a enlouquecer antecipadamente, e Trump seria forçado a retirar a política, afirmou.
O mesmo efeito ocorreria se os Estados Unidos optassem por vender parte de suas reservas de Bitcoin.
Riscos de liquidação
Se os Estados Unidos comprassem mais Bitcoin, também escolheriam quando vendê-lo.
“Apesar do surgimento de apoio bipartidário para cripto no sistema político dos EUA recentemente, a política governamental pode mudar rapidamente. Portanto, à medida que as circunstâncias mudam ao longo do tempo, a concentração de grandes quantidades de Bitcoin no balanço de um país poderia representar um risco de liquidação,” disse Radique ao BeInCrypto.
Casos anteriores em que governos venderam partes de suas reservas de Bitcoin mostraram como tais ações podem impactar significativamente o mercado.
“Só precisamos olhar para o ano passado, quando o governo alemão vendeu cerca de 50.000 BTC, para ver o que tal movimento poderia fazer aos mercados. Isso é frequentemente citado como uma desvantagem chave de uma reserva estratégica de Bitcoin por críticos,” acrescentou Radique.
A Alemanha vendeu todas as suas reservas de Bitcoin em julho passado para cumprir uma lei federal que exige a liquidação de ativos digitais apreendidos. A grande venda de Bitcoin em um curto período fez o preço do Bitcoin cair.
Em novembro, uma situação semelhante ocorreu nos Estados Unidos quando o governo transferiu mais de US$ 2 bilhões em Bitcoin para carteiras de terceiros. Esse movimento provocou quedas de preços e levantou preocupações entre os investidores sobre possíveis leilões futuros.
Também surgiriam questões sobre as implicações da posse do governo federal sobre quantidades tão grandes de Bitcoin.
Preocupações com a centralização
Para muitos, a ideia de uma reserva estratégica de Bitcoin poderia parecer conflitar com um dos princípios centrais do Bitcoin: a descentralização.
Essa filosofia, que está no coração do Bitcoin, garante que nenhuma entidade única possa controlar toda a rede. No entanto, se o governo dos EUA começasse a adquirir Bitcoin em grandes volumes, isso poderia gerar preocupações sobre centralização.
Se o Tesouro dos EUA controlasse uma parte significativa da oferta de Bitcoin, poderia influenciar o mercado. Tal controle poderia permitir que o governo impactasse os preços do Bitcoin, o que vai contra sua natureza descentralizada.
Riscos de regulamentação excessiva também surgem à medida que a adoção institucional de ativos digitais se expande nos setores público e privado.
É nossa responsabilidade coletiva como Bitcoiners defender que essa tecnologia seja o mais acessível possível, preservando sua filosofia original e utilidade peer-to-peer, disse Radique.
Na medida em que o debate sobre a adoção de uma reserva estratégica de Bitcoin continua, uma abordagem ponderada beneficiará sua implementação.
O caso para a paciência
Um aspecto tranquilizador deste debate em andamento é a compreensão de que acelerar o processo pode ser desnecessário. Como o Bitcoin não é uma commodity essencial para o funcionamento adequado da economia dos EUA, estabelecer uma reserva estratégica não é uma prioridade imediata.
O Bitcoin existe há menos de duas décadas. Permitir que o mercado tenha mais tempo para amadurecer também reduz a volatilidade do ativo a longo prazo.
O Bitcoin passou de uma invenção cypherpunk pouco conhecida para um fenômeno cultural global e um ativo institucionalizado acessível em um tempo notavelmente curto, explicou Radique.
Adotando uma abordagem de esperar para ver, o Bitcoin poderia evoluir para um ativo mais confiável e líquido, tornando-se uma opção viável para o governo dos EUA incluir em seus portfólios no futuro.
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