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Como será o futuro da tributação de criptomoedas no Brasil? – Entrevista com o escritor Daniel de Paiva Gomes

9 mins
Atualizado por Paulo Alves

EM RESUMO

  • Daniel de Paiva Gomes é advogado especialista em direito tributário que estuda a tributação de criptomoedas no Brasil.
  • Neste ano, Daniel lançou seu novo livro sobre o assunto chamado “Bitcoin: a Tributação de Criptomoedas".
  • Em conversa com o BeInCrypto, o autor fala sobre o atual cenário regulatório brasileiro e o que podemos esperar para o futuro.
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As criptomoedas surgiram para trazer independência financeira às pessoas e eliminar a necessidade de mediadores, como governos e bancos centrais. Apesar disso, esse mundo não escapa de seus deveres para com o estado.

No Brasil, a Receita Federal considera todas as criptomoedas como ativos financeiros, submetidas portanto aos impostos.

As formas como essa tributação é feita no país ainda estão engatinhando e tanto o governo, mercado e academia se dedicam para encontrar as melhores formas de avançar neste setor. Uma das personalidades que fazem parte do movimento é Daniel de Paiva Gomes, advogado especialista em direito tributário que nos últimos anos tem as criptomoedas como tema principal da sua pesquisa acadêmica. 

Durante seu mestrado na Fundação Getúlio Vargas, Daniel estudou as diferentes facetas da tributação de criptomoedas no Brasil e sua dissertação final deu origem ao seu novo livro, lançado no início do ano

Confira abaixo a entrevista do BeInCrypto com Daniel de Paiva Gomes, autor do livro Bitcoin: a Tributação de Criptomoedas – Da taxonomia camaleônica à tributação de criptoativos sem emissor identificado”.

tributação criptomoedas Brasil

Esse livro fala sobre a tributação das criptomoedas no Brasil, que tipo de análises você faz?

O livro tem dois objetivos. O primeiro é analisar a legislação como ela é hoje, onde eu procurei responder o seguinte: no cenário tributário atual, qual dos tributos que existem teriam aptidão para incidir nas criptomoedas. 

Nesse momento a gente bifurca entre aqueles que teriam aptidão de forma legítima e de forma ilegítima. Quando eu digo em aptidão eu quero dizer o seguinte: o que uma pessoa, seja ela auditor da receita ou investidor, se olhasse para o ordenamento jurídico, no mínimo teria dúvida se as criptomoedas estão dentro ou fora da norma de incidência.

Em seguida, eu também faço proposições e especulações sobre o futuro, finalizando a obra com uma sugestão de como eu entendo que seria melhor tributado esse tipo de evento.

Quais as tributações você entende que existe essa aptidão de incidir nas criptomoedas? 

O IOF câmbio, por exemplo, obriga o pagamento de imposto sempre que uma pessoa compra uma moeda estrangeira. O bitcoin, assim como outras criptomoedas, até pelo próprio nome, poderia ser considerado em algum momento da mesma forma que uma moeda estrangeira?

A ideia é analisar se uma leitura apressada desse tipo de tecnologia levaria à conclusão de que a criptomoeda está sujeita a um contrato de câmbio. Se estiver, então eu tenho que pagar um IOF sempre que eu compro ou vendo bitcoin? Então é esse tipo de raciocínio que eu expandi para todos os outros tributos.

Um segundo exemplo poderia ser o ICMS, um imposto que incide sobre mercadorias. Eu poderia entender que bitcoin é uma mercadoria? Se sim, eu tenho que pagar ICMS. Se não, a exigência do ICMS que poderia vir pelos estados seria inconstitucional. 

No caso da tributação das criptomoedas no IOF e no ICMS, qual foi a conclusão dessas análises?

No caso do IOF, eu apresento alguns pontos que se fossem modificados, poderiam de forma legítima  permitir a incidência das criptomoedas, que hoje não são consideradas moedas estrangeiras. Se no futuro o Banco Central colocar algumas criptomoedas na relação de moedas estrangeiras, alguns ativos poderiam ter a cobrança de IOF de forma legítima.

Vamos usar a Tether (UDST) como exemplo, uma stablecoin lastreada em dólar em uma relação de 1:1 que hoje não é cobrada IOF câmbio. Um investidor ao invés de comprar 100 dólares em uma instituição financeira, ele pode comprar 100 unidades de UDST e mandar o valor para fora do país sem pagar imposto. Se no futuro de médio a longo prazo, as exchanges estiverem conectadas ao Banco Central e a entidade determinar que stablecoin é moeda estrangeira, então aquela compra e venda vai estar sujeita a um contrato de câmbio que pode levar a incidência legal do IOF.

Já no caso do ICMS a cobrança de impostos seria indevida. ICMS vai incidir sobre mercadoria, que pode ser digital e desse modo, tem uma potencial incidência sobre o bitcoin. Mas não vai incidir ICMS porque apesar de ser um bem digital, o bitcoin não é destinado ao comércio, ele não tem uma utilidade ao usuário. Uma coisa é eu comprar uma mercadoria digital que eu vou consumir, o que não acontece com o bitcoin, já que sua utilidade é mediar.

bitcoin brasil

Então qual seria a forma ideal de tributar as criptomoedas no Brasil?

O melhor seria tributar o criptoativo de acordo com o seu uso, e não de acordo com uma abordagem conceitual. Eu noto que há uma preocupação muito grande em falar bitcoin é isso ou bitcoin é aquilo, o que eu acho uma perda de tempo. 

Veja o ouro, por exemplo. Hoje no ordenamento brasileiro, se eu tiver ouro em uma joia, ele será submetido a cobrança de ICMS, como mercadoria. Mas se eu tenho ele como investimento especulativo, ele está submetido à incidência do IOF.

Com criptomoedas deveria ser igual. Se eu mantenho meu criptoativo na carteira e uso ele para adquirir bens e serviços, ele está sendo utilizado como meio de pagamento, então eu não deveria apurar ganho de capital porque vai travar a usabilidade desse ativo.

Por outro lado, se eu mantenho ele na minha carteira fazendo HODL, ou acumulando criptoativo para fazer day trade, então a ideia é ter ganhos. Aí sim ele se aproxima de uma figura de ativo financeiro e eu deveria por uma presunção, equipará-lo a essa categoria e tributar o ganho de capital. 

No caso das orientações da Receita Federal que hoje não distingue entre os usos das criptomoedas, qual a sua crítica?

A premissa da Receita Federal é de que todo criptoativo é equivalente a ativo financeiro, e essa é uma premissa equivocada ao meu ver. Um ativo financeiro pressupõe o que a gente chama de oponibilidade a terceiros. Eu tenho um direito, eu posso opor esse direito a um terceiro. 

Em diversas categorias de criptoativos, especialmente entre aquelas que sem um emissor identificado como o bitcoin, eu não tenho essa característica. Se eu não tenho como opor o bitcoin a terceiro, então é impossível dizer que é um ativo financeiro. 

Neste ano a Receita Federal criou três novos códigos para declarar as criptomoedas no Imposto de Renda. As novas classificações foram adequadas?

Os novos códigos de declaração tem pontos positivos, como por exemplo código 81. Por citar o bitcoin, fica entendido que o código será aplicado para criptoativo sem emissor identificado. 

Porém no código 82, abrem para “outros criptoativos do tipo moeda digital, conhecidos como altcoins entre elas Ether, XRP, Bitcoin Cash, Tether, Chainlink, Litecoin”, e aqui a Receita já errou. Eles misturam stablecoin como Tether, com token de utilidade, que é a Chainlink, com o Bitcoin Cash, que é um criptoativo sem emissor identificado. Então isso eu não achei interessante porque misturam diferentes ativos que deveriam estar separados.

Esse é um exemplo que mostra que o pessoal da receita ainda está patinando um pouco na parte classificatória, que é algo importante. Não quero desmerecer o trabalho da Receita Federal, muito pelo contrário, mas eles estão tendo um protagonismo que não deveria ser deles e sim do Congresso, de uma lei dizendo o que é o que, mas como não veio, eles tentam na medida do possível melhor a parametrização do sistema.

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Qual seria a classificação mais adequada dos diferentes tipos de criptomoedas?

A denominação dos criptoativos não pode ser feita de forma leviana. Moeda virtual não é a mesma coisa que moeda eletrônica, ou moeda digital. Então eu apresento uma taxonomia dividida entre criptoativo sem emissor identificado, o maior exemplo seria o bitcoin, e criptoativos com emissor identificado. Neste último eu segrego em tokens de pagamento, utilidade e os tokens securitizados.

No livro você também analisa os cinco projetos de leis que estão pendentes no Congresso sobre os criptoativos. Quais são os pontos positivos e negativos entre eles?

O primeiro projeto de 2013 estava em uma linha bem equivocada, enquadrando criptomoedas na legislação de moedas eletrônicas. Os dois projetos de 2019 e um de 2020 estão mais amadurecidos porque já começam a segregar a nomenclatura entre os diferentes tipos de criptoativos, indicando o que pode ser tokens de pagamento e tokens de utilidade. Mesmo assim, fica um pouco nebuloso no texto desses projetos se os tokens securitizados estariam dentro ou fora, o que precisa ser resolvido.

Ainda falta um pouco de amadurecimento do Congresso na parte classificatória. Eles precisam seguir mais diretrizes internacionais, principalmente da OCDE e do FMI para identificar de forma bem separada token de pagamento, de utilidade e securitizados, e posteriormente segregar essas três classificações ainda sob outro critério: se existe ou não de um emissor identificado.

O que é digno de aplauso em relação a esses projetos são as regras voltadas às exchanges, já que hoje os intermediários são os principais responsáveis pelos problemas envolvendo o mundo cripto. O projeto de lei de 2020, por exemplo, prevê que a exchange precisa separar o seu patrimônio dos investimentos dos usuários, para proteger o dinheiro do investidor de uma eventual quebra ou ataque hacker.

Existe a chance de surgir um novo imposto do zero no Brasil para tributar as criptomoedas?

Eu não consigo visualizar hoje a criação de um imposto específico sobre criptoativos. Só tem uma hipótese em que isso aconteceria: se tivéssemos um imposto residual ou uma contribuição residual instituída pela União Federal.

Há uma espécie de “cheque em branco” que diz que a União pode criar uma contribuição nova para as materialidades que não estão descritas na constituição. Só que há limites para isso, precisa ser por lei complementar, não pode ser cumulativo, e não pode ter fato gerador de um imposto ou contribuição já previsto na constituição para outros entes federativos.

Eu acho muito difícil que surja uma lei complementar para criptomoedas no atual cenário político brasileiro, muito voltado para a reforma tributária. Me parece também que existe uma possibilidade de incidência no IOF, caso a sua legislação seja alterada para incluir as criptomoedas. Assim, o critério do imposto residual não poder ter fato gerador de outro tributo, cairia por terra.

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O governo já publicou uma Instrução Normativa específica para criptomoedas, qual é a sua opinião sobre o texto e o que poderia ser melhorado?

A Instrução Normativa nº 1888 acaba sendo um pouco redundante pelo fato de que o usuário já precisa declarar anualmente suas movimentações à Receita Federal através do Imposto de Renda. Se ele tiver ganho de capital tributável (acima de R$ 35 mil) ele também terá que apresentar sua declaração de ganho de capital. Então já são duas obrigações acessórias, precisava de uma terceira? 

O que adianta ficar reportando mensalmente para a IN se eu tenho investimento em uma exchange estrangeira? As obrigações acessórias existem para resguardar o interesse da fiscalização, que é o pagamento do tributo, já feito no Imposto de Renda. Apesar de ter pontos positivos, algumas obrigações da IN dificultam as operações com criptoativos.

Hoje também não há uma orientação clara sobre como as pessoas jurídicas devem tributar corretamente seus ganhos em alienação de criptoativos. 

Além disso, entre as novas normas apresentadas pela Receita Federal neste ano, há a exigência que o usuário indique o tipo de wallet que ele armazena suas criptomoedas, o que não me parece razoável.

Vamos dizer que uma pessoa tem barras de ouro com ela, ela precisa declarar o tipo de cofre que ela tem? Não. Para mim, colocar o tipo de wallet que você usa é dar de bandeja sua informação a um eventual ataque hacker. Claro que a Receita Federal não compartilha essas informações e existe sigilo fiscal, mas nós vemos na prática que isso não impede o governo de sofrer ataque hacker.

Algumas exigências violam o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. A receita não precisa saber o tipo de wallet que os investidores possuem. 

Tem alguma legislação lá fora que o Brasil poderia se inspirar?

A experiência canadense vai na linha de tributar as criptomoedas pelo seu uso. Ao invés de se preocupar em definir se criptomoeda é mercadoria, commodity, ou ativo financeiro, o Canadá escolheu por analisar como o usuário utiliza o criptoativo e de acordo com o uso, tributar da forma correta pelo órgão regulador mais adequado.

Se a gente trouxesse a experiência canadense para o Brasil, sempre que criptoativo é usado como meio de pagamento, quem regula é o Banco Central. Se o criptoativo é usado como ativo financeiro para fins especulativos, quem regula é a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

Então a experiência do Canadá eu gosto bastante e acredito ser o melhor exemplo de regulamentação a nível mundial, justamente por valorizar as diferentes facetas dos criptoativos.

O livro “Bitcoin: a Tributação de Criptomoedas – Da taxonomia camaleônica à tributação de criptoativos sem emissor identificado” foi lançado pela Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, e está à venda no site da editora

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Saori Honorato
Saori Honorato é jornalista e para o BeInCrypto escreve sobre os principais acontecimentos do universo das criptomoedas.
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