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Bitcoin, pagamentos eletrônicos e CBDC na evolução do dinheiro

11 Min.
Atualizado por Anderson Mendes

China, Brasil e um sistema distribuído em teste com volume crescente. Para onde vai a evolução do dinheiro? Quais são os sistemas possíveis? Centralizado, descentralizado ou híbrido?

Bitcoin e a evolução do dinheiro: “dá sim pra pagar seu cafezinho com BTC!”

Você já deve ter ouvido que não dá pra pagar cafezinho com bitcoin. 

Como nenhuma tecnologia é estática, e está sempre em evolução, assim como aconteceu com a Internet – que no início era lenta e “discada” , e hoje usamos a Internet com 5G –, hoje já existem soluções de escalabilidade do Bitcoin.  

Mas voltando ao nosso cafezinho… se você quiser testar como a Lightning Network reduz custos e possibilita micropagamentos em bitcoin, vale a pena visitar a cafeteria Starblocks.

Eles servem diversos tipos de cafe, como o Blockaccino por 0,0001 mBTC, Expresso Coin Pana por 0,0015 mBTC, Scala Chipp Frappuccino por 0,002 mBTC e ainda vendem, aos adixionados por café, o Half a Ton of Coffee – meia tonelada de café – por 30 mBTC

O mBTC – também conhecido como milibitcoin – equivale a um milésimo de um BTC (1 mBTC = 0,001 BTC). E você pode descobrir quantos reais vale um mBTC, fazendo a conversão para Reais, acesse aqui.

Em resumo, a Lightning possibilita transações de bitcoin de grande escala, de maneira quase instantânea, com baixas taxas e sem possibilidade de fraude. 

O quanto seriam essas baixas taxas?

Como nada melhor que um exemplo para compreender algo, vamos dar uma olhada numa transação noticiada pelo “Bitcoin Block Bot” – conta no Twitter que rastreia e informa transações de “Baleias de Bitcoin”, isto é, endereços que detêm grandes quantidades de Bitcoin. 

No dia 26/3/2020, o “Bitcoin Block Bot” publicou um tweet com o seguinte alerta

“Alerta de baleia! 🐋 alguém moveu 101.857 BTC ($ 933M) no bloco 636.503”.

Ora, para transferir essa quantia quase instantaneamente na rede Lightning – que hoje equivaleria a quase US$ 4 trilhões de dólares ou cerca de R$ 18 trilhões de reais –, foi gasto à época uma taxa de apenas US$ 4 dólares !!  O que em em reaia daria aproximadamente R$ 20 (cotação na data de fechamento deste artigo). 

Isto é, sem dúvida , um caso de uso fascinante. Principalmente quando considerarmos o custo e o tempo que seriam gastos em transações transfronteiriças desta magnitude pelo sistema tradicional. Com certeza demoraria muitos dias. –  e dependendo das instituições envolvidas até semanas -, para ser concluída uma transação dessa magnetude, sem falar na taxa exorbitantes que seria cobrada .

Nessa linha, outra vantagem extraordinária viabilizada pelo primeiro email de Satoshi Nakamoto é que as transações na rede Bitcoin são peer—to-peer  (ponto-a-ponto). Não há a necessidade de verificação e validação por um terceiro, pois a transação é validada por algoritmos, pela matemática. 

O que isto significa? Significa que eu e você podemos eferivar transações financeiras que não exigem os terceiros validadores tradicionais de confiança (instituições, corporações, dentre outros). É a desintermediação na transferência de valor que torna o Bitcoin tão revolucionário.

Bitcoin cria um novo tipo de ativo e novas possibilidades para novos tipos de pagamento.

Desnecessário mencionar  a palavra “blockchain”, eis vez que essa tecnologia abarca uma ampla categoria de possibilidades de transferência de valor, com todos os tipos de casos de uso em potencial. 

O que é importante você compreender, para que possamoa avançar no texto de hoje é: nós “ainda” estamos experimentando a evolução do dinheiro –  que é uma história evolutiva e deve ser entendida como tal.

Observe que desde que o mundo é mundo, sempre surgem novos surtos periódicos de inovação. 

Ao longo do tempo, novas possibilidades foram e são criadas… e claro, nem todas essa inovações perduram. 

E é por isso que, até o bitcoin já morreu… mas passa bem. 

Como assim? 

“O bitcoin já morreu”, sempre dizem os céticos. E até a data de fechamento deste artigo, segundo o Bitcoin Obtuaries – site criado para acompanhar quantas notícias anunciam o fim do bitcoin – ele já havia morrido 474 vezes.

Agora que você já sabe a relação entre bitcoin e a evolução do dinheiro, podemos avançar mais um pouco, e entender a origem e como  o dinheiro estatal “digital” entra nesta estória.

China, pagamentos eletrônicos e moeda digital estatal

Nos últimos anos, a China vem desbravando caminhos em dois domínios bastante diferentes. 

O surgimento dos pagamentos eletrônicos na China

O primeiro caminho desbravado pela China diz respeito aos pagamentos eletrônicos. 

Para termos uma idéia do que estamos falando aqui, é preciso observarmos a escala que o Alibaba foi capaz de criar para sua plataforma de pagamentos eletrônicos, bem como o alcance que o “superapp” “WeChat Pay” tem no dia-dia da sociedade chinesa. 

E para compreender como funciona o WeChat Pay, sugiro que você assista a um vídeo publicado pelo The New York Times, chamado “How China in Changing Our Internet.” – Como a China está mundando nossa Internet.

Mas voltando ao nosso artigo e aos caminhos abertos pela China, vale a pena destacar que o Paypal nunca chegou aos pés do WeChat Pay – criado pela Tencent -, nem ao Alipay – projetado pelo Alibaba -, em termos de escalabilidade. 

E o mais incrível é que a China deu um salto à frente nos pagamentos eletrônicos em um espaço de tempo bem curto. 

Quem costuma ir a Pequim com frequência sabe que lá, há bastante tempo, o volume de cédulas de papel em circulação vem diminuindo, que não há cartões de crédito e que, antes de qualquer outro país, as pessoas já efetuvam pagamentos via celulares e smartphones. 

A escala que a transformação nos meios de pagamento chineses ganhou nos últimos anos é inimaginável para qualquer país ocidental, e exigiu o envolvimento de diversos atores, como Alibaba e Tencent. 

E este avanço da China no tocante aos meios de pagamento só foi possível, de certa forma, porque de um lado, o sistema bancário chinês não era tão avançado quanto o dos Estados Unidos, e de outro, porque a China não herdou todo o legado de plástico –  isto é, na China não havia os cartões de crédito e de débito com os quais o ocidente estava acostumado.

Bem por isso, como a população chinesa não estava acostumada a usar cartões de crédito e débito, foi mais fácil a implantação de um novo modo de pagamento via “Mobile” (celular).

Pois bem, essa é a primeira parte da história – os pagamentos eletrônicos foram desbravados pelos chineses. 

Já a segunda parte da história é…

O nascimento da moeda estatal chinesa: por que o Yuan Digital surgiu?

O Banco Popular da China – PBOC – estava ansioso para descobrir novas maneiras de aumentar o uso de sua moeda no exterior, bem como melhorar a eficiência da política monetária dentro da própria China.

Doi por isto que o PBOC decidiu partir para uma moeda digital “oficial” do Banco Central Chinês, o que ficou conhecido como CBDC – Central Bank Digital Currency.

Este assunto foi muito debatido ao longo de 2019, e até novembro ainda não havia nem uma clareza real sobre quando uma CBDC chinesa iria acontecer, nem como exatamente iria acontecer. Ninguém sabia de  muitos detalhes.

Em 2020, veio a pandemia e, a partir dela, tudo mudou. 

Assistindo ao impacto da pandemia em todo o mundo, e percebendo a oportunidade perfeita para introduzir e distribuir uma CBDC na sociedade, o Banco Central Chinês agarrou a chance e acelerou o desenvolvimento de sua moeda digital, iniciando a fase de testes a passos largos.

Note que o objetivo do PBPOC e do Partido Comunista chinês é completamente diferente do que levou a Ant Financial, ligada ao Alibaba, a desenvolver os pagamentos eletrônicos.

Enquanto o Ant Group buscava construir uma plataforma de pagamentos que se tornasse o padrão no mundo, e não apenas na China, o PBPOC e o PCC almejavam ter uma visão completa e minuciosa de todas as transações acontecendo em tempo real na própria China.

Lembre-se, a China é um regime totalitário – apesar da abertura de mercado – , que sempre buscou impor controles de capital. 

A China é um regime totalitário que desde 1949, priorizou a vigilância de sua população. E um aspecto importante aqui é que o governo chinês sempre enxergou a tecnologia como uma aliada na efetivação do controle de seus cidadãos. 

Some-se a isto o “problema” com as notas de papel moeda, qual seja: as notas de papel moeda não dizem realmente o que as pessoas fizeram, compraram, venderam, alugaram, comeram ou onde estiveram. 

Logo, impor uma moeda digital, livrando-se das notas de papel e colocando tudo em uma base “centralizada” é o sonho de vigilância chinês.

De todo modo, não se deve confundir essas duas iniciativas – as plataformas de pagamentos eletrônicos do setor privado e das grandes empresas de tecnologia – que são uma parte do avanço da China –, com o Yuan Digital, que tem um objetivo completamente diverso.

Qual é o impacto do avanço chinês no contexto geopolítico mundial?

Embora a China esteja à frente dos Estados Unidos em pagamentos eletrônicos e moeda digital, e os EUA tenham se tornado um poder “financeiramente” conservador em termos tecnológicos, o avanço chinês não causa impacto no mundo do jeito que está hoje – com o dólar sendo a moeda fiduciária de reserva, emitida pelo Federal Reserve e pelo sistema bancário americano.

Ou seja, o avanço chinês – em pagamentos eletrônicos e moeda digital – não impacta o sistema atual, pelo menos enquanto o mundo desejar dólares e, principalmente, aceitar a dominância de um sistema de pagamento baseado na moeda americana. Mas até quando isto perdurará, é difícil dizer…

Uma observação, aqui, merece destaque. Apesar do atual sistema financeiro mundial ser útil – pelo menos do ponto de vista do exercício de poder americano -, desprezar os avanços tecnológicos e a velocidade com que tais avanços têm sido absorvido por outros países, é uma estratégia fadada a se tornar obsoleta. 

Agarrar-se à tecnologia dos anos 1970, e não acompanhar a revolução financeira que está acontecendo em quase todos os outros lugares, não apenas na China, mas também na América do Sul em termos de Fintech, é algo que certamente será mudado muito em breve. 

Eis aqui o motivo para o lançamento do FedNow, similar a nosso Pix. 

Vale dizer, ainda, que o resto do mundo obviamente não está confortável com o atual sistema financeiro mundial porque, enquanto os EUA dominarem os pagamentos, eles serão capazes de aplicar sanções financeiras a um custo muito baixo, enquanto todos os países precisam dar um salto. 

E esse é o tipo de história que no contexto da inovação monetária, é realmente importante ir mais a fundo. 

Olhar os movimentos geopolíticos que estão ocorrendo atualmente é, sem dúvida, uma das melhores maneiras para compreender o atual cenário financeiro mundial.

Qual o melhor caminho a seguir?

China

O primeiro ponto a ser considerado é: deve-se copiar o que os chineses estão fazendo? 

A privacidade não é um princípio considerado em países totalitários e ditaduras, nem é observada pelo Partido Comunista Chinês cujo objetivo, além de melhorar a aplicação da política monetária, é implementar o “capitalismo de vigilância” – termo cunhado por Shoshana Zuboff, professora da Escola de Negócios de Harvard, no livro A Era do Capitalismo de Vigilância.

Neste contexto, nos países que adotam regimes democráticos deveriam considerar o respeito à privacidade e as liberdades individuais, valores arraigados no superprincípio da dignidade da pessoa humana adotados por países com regimes democráticos, inclusive pelo Brasil, no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República.

Brasil

O Brasil já escolheu criar sua CBDC. Além de lançar um novo sistema de pagamento denominado PIX, em 21/8/2020 o Banco Central do Brasil oficialmente criou um núcleo de estudos para viabilizar sua CBDC – recentemente rebatizada de Drex. 

Drex é a moeda digital do Banco Central do Brasil que o BACEN pretende lançar até o final de 2024. Mesmo em sua fase de testes, a Drex já está movimentando o mercado nacional, com diversas empresas e instituições estão fazendo anúncios, promovendo eventos e avançando na integração da CBDC nacional.

Mas, seriam as CBDCs o remédio para todos os países?

Um sistema distribuído em teste e com volume crescente

Já temos no Bitcoin um sistema de dinheiro eletrônico distribuído baseado em blockchain que tem resistido ao teste há 15 anos, e está lidando com um volume crescente de transações.

E nem se argumente que bitcoin só é usado para transações ilícitas, uma afirmação que já se mostrou falsa, pois na verdade, o Bitcoin não é muito bom para a atividade criminosa dada sua transparência e rastreabilidade.

Mas por que nos damos ao trabalho de criar algo novo quando algo que já funciona existe?

Sempre é bom lembrar que o Bitcoin pareceu em 2018, quando estávamos a beira de um colapso financeiro mundial.

Neste contexto,  além de ser deflacionário, com uma emissão monetária fixa, o bitcoin possui algumas características semelhantes ao ouro como a escassez, a verificabilidade, a divisibilidade, a portabilidade e a soberania relativa.

Os sistemas possíveis: centralizado ou descentralizado?

Estamos vivenciando uma era de grande tensão no mundo. E aqui, não estou falando nem da guerra da Ucrania vs Rússia, nem da guerra de Israel vs Hamas.

De um lado, há os investidores vanguardistas que desejam adotar o bitcoin e o veêm, não apenas como um ativo de troca, mas como um tipo peculiar de ouro digital. 

Não é a toa que empresas como Square Inc.  e  Microstrategy Inc. tem continuamente investido no criptoativo, e que o Paypal – empresa com trajetória em pagamentos digitais e tecnologia financeira – resolveu explorar, construir e ampliar seus recursos e serviços na L2 do Bitcoin.

Por outro lado, muitos reguladores cuja resposta imediata é, como o ministro das finanças alemão, Olaf Scholz, que em um comunicado após uma videoconferência dos ministros das finanças do G7, disse: “Devemos fazer todo o possível para garantir que o monopólio da moeda continue nas mãos dos Estados”

O Estado tem uma relação com o dinheiro que é certa, porque o Estado pode determinar qual dinheiro é aceitável como moeda legal, qual dinheiro é aceitável para efetuar pagamentos com quitação do débito. 

Então, parece que o cabo de guerra entre investidores e reguladores está lançado e, nos próximos anos, veremos muitos debates sobre este assunto.

Para se ter uma idéia de como a tensão atual vem se desenrolando há tempos, no dia 4 de janeiro de 2021 foi aprovada uma resolução da OCC –  principal órgão regulador bancário americano –, que permitia aos bancos americanos participarem da verificações em redes blockchain públicas e abertas como Bitcoin e Ethereum, bem como usarem Stablecoins e atividades de pagamentos. 

Pois bem, exatamente uma semana depois, Christine Lagarde – a Presidente do Banco Central Europeu – , defendeu que “deve haver regulamentações referente ao Bitcoin e isso tem de ser implementado e concordado” a nível global. 

Ora, tal demonstra o grau de divergência entre os próprios reguladores, o que é natural em um assunto tão novo. 

O que está claro até agora? 

Pensamentos finais

A única coisa que podemos afirmar deste conturbado cenário é que dois sistemas potenciais estão em disputa. 

O primeiro, que é centralizado e sobre o qual uma entidade central – como um Banco Central, por exemplo – exerce total controle. Enquanto o segundo sistema é descentralizado, e mais condizente com a Web3.

Mas e você? Sabia que dá para pagar seu cafezinho com bitcoin? Tinha idéia de que a China foi a precursora dos pagamentos eletrônicos e da moeda estatal? Enxerga os dois sistemas – centralizado e descentralizado – convivendo harmonicamente, ou acha que algum deles vai se sobrepor ao outro?

O conhecimento sempre nos leva a caminhos mais prósperos. Até breve!

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Tatiana Revoredo
Tatiana Revoredo é membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Inovação e Tecnologia. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Especialista em Blockchain Business Applications pelo MIT. Especialista em Artificial Intelligence & Business Strategy pelo MIT Sloan & MIT CSAIL. Especialista em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Convidada pelo Parlamento Europeu para a “The Intercontinental Blockchain Conference”....
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