A disputa pelo controle da identidade digital está em curso e o Brasil está no centro dela. A consolidação da Carteira de Identidade Nacional (CIN) aliada à expansão da biometria facial prometem modernizar o acesso ao crédito, aos serviços financeiros e à cidadania digital. Mas junto com a eficiência, surge uma questão essencial: quem definirá as regras do novo ambiente digital? O cidadão, o Estado ou o mercado?
Segundo dados do Banco Central, mais de 34 milhões de brasileiros ainda estão fora do sistema financeiro formal. Em paralelo, uma pesquisa da TIC Empresas aponta que 30% das empresas brasileiras já armazenam dados biométricos. Sendo assim, estamos diante da formação de uma nova infraestrutura de verificação com potencial de inclusão, mas ainda com riscos de vigilância, exclusão e dependência de estruturas centralizadas.
No centro desse debate está a tensão entre centralização e autonomia, com o modelo brasileiro – baseado em dados estatais e registros únicos – de um lado, o movimento global por identidades descentralizadas (DIDs) – construídas sobre tecnologias como blockchain – de outro. Em tempos de transformação digital, essa escolha é estrutural, política e ética, com consequências que vão muito além do design dos sistemas.
Enquanto países como a Estônia operam identidades digitais integradas com 98% de adesão populacional, a União Europeia aposta no projeto eIDAS 2.0, que estabelece carteiras digitais interoperáveis e sob controle direto do usuário. O Brasil, por sua vez, caminha na direção de um modelo centralizado. A questão que se impõe é: vamos construir pontes com o ecossistema Web3 ou reforçar muros entre o público e o privado?
A depender do caminho, a identidade digital brasileira pode ser motor de autonomia, acesso e inovação ou uma barreira invisível que decide quem participa da economia digital e em quais condições. O momento de decidir é agora.
Identidade digital: da eficiência à soberania de dados
A adoção da CIN e do CPF como identificador único no Brasil é vista como um grande avanço para reduzir fraudes, qualificar os dados e simplificar o acesso a serviços públicos ou privados. Para o setor financeiro, isso representa a possibilidade de acelerar processos de onboarding, escalar análise de crédito automatizada e incluir milhões de brasileiros ainda invisíveis para o mercado. Trata-se, então, de uma promessa de eficiência.
Mas esse é também o momento de se questionar: eficiência para quem e com quais garantias? A discussão sobre identidades digitais descentralizadas (DIDs), baseadas em blockchain, cresce no mundo todo como alternativa a sistemas estatais fechados. Esses modelos permitem que o indivíduo controle quais dados compartilha, com quem e por quanto tempo, o que representa um novo paradigma de soberania de dados pessoais. Com isso, o país está distante de uma realidade que não pode ser ignorada.
Biometria facial: segurança, sim – mas com governança
Segundo a NordVPN, 82% dos brasileiros já utilizam alguma forma de biometria em seu cotidiano – estatística que mostra a rápida assimilação dessas tecnologias no país. No setor financeiro, mais de 640 milhões de transações foram autenticadas por biometria entre os anos de 2018 e 2023, segundo levantamento da Unico. A pesquisa TIC Domicílios de 2023 indica que 73% dos brasileiros têm preocupação com o uso de dados biométricos por instituições financeiras e órgãos públicos. Dessa forma, o ganho em agilidade, prevenção a fraudes e conforto para o usuário é real e valioso, mas será suficiente?
Se o futuro digital é sobre confiança, ela precisa ser distribuída. A identidade digital brasileira pode ser uma ferramenta de autonomia, interoperabilidade e cidadania ou um instrumento de controle e vigilância com ares de modernidade. O caminho está sendo pavimentado agora, e ele precisa equilibrar inovação com responsabilidade, inclusão com segurança e centralização com soberania individual.
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