Mesmo em tempos de paz, os Estados Unidos enfrentam desafios financeiros expressivos que se assemelham aos de uma crise. A dívida nacional continua a crescer, enquanto os mercados de títulos apresentam sinais de fragilidade. Esses problemas se intensificam em um cenário político onde o consenso sobre medidas fiscais segue distante.
Em entrevista ao BeInCrypto, Matthew Pines, diretor executivo do Bitcoin Policy Institute, sugeriu que os Títulos do Tesouro aprimorados com Bitcoin, conhecidos como Bitbonds, podem representar uma alternativa viável. Segundo ele, essa proposta poderia reduzir as taxas de juros e aliviar a carga fiscal sem gerar custos adicionais para os contribuintes americanos.
A crescente crise da dívida dos EUA
Os Estados Unidos estão enfrentando uma pressão fiscal considerável, com sua dívida nacional pairando em torno de US$ 36,2 trilhões.
Agravando esse número já preocupante estão as taxas de juros historicamente elevadas sobre os títulos do governo, com o rendimento do Tesouro de 10 anos recentemente flutuando em torno de 4,3%, enquanto o rendimento do Tesouro de 30 anos apresenta taxas ainda mais altas.

Essas porcentagens representam um dilema específico no momento em que o governo dos Estados Unidos se prepara para refinanciar uma parcela expressiva de sua dívida, originalmente emitida a taxas de juros muito mais baixas durante a pandemia de COVID-19.
Se novos papéis forem lançados com as taxas atuais, isso inevitavelmente resultará em um custo de juros consideravelmente mais alto para os futuros contribuintes americanos, agravando ainda mais a pressão fiscal sobre o país.
Apesar do cenário preocupante da economia, o debate público sobre formas de mitigar o problema antes que ele se agrave tem sido surpreendentemente limitado. No entanto, dentro da comunidade cripto, circula uma proposta alternativa que pode merecer atenção.
Um desequilíbrio fiscal crônico
O déficit fiscal dos Estados Unidos não é um fenômeno recente. Há décadas, o país costuma gastar mais do que arrecada, acumulando continuamente dívida pública.
Apesar da persistência desse desequilíbrio, sucessivos governos pouco fizeram para reverter esse quadro de forma estrutural.
“Estamos em uma economia relativamente boa agora. Temos baixo desemprego e inflação moderada, ainda assim a posição fiscal do governo se assemelha à de um país em guerra. Está quase nos níveis da COVID. Isso indica uma patologia estrutural nas finanças do governo federal”, afirmou Matthew Pines ao BeInCrypto.
Embora uma solução clássica para o déficit sugira corte de gastos e aumento de produtividade, a implementação dessas medidas enfrenta barreiras políticas relevantes.
“Se estivéssemos em um mundo ideal, o governo conseguiria equilibrar seu orçamento e enfrentar politicamente os difíceis compromissos exigidos pela redução de programas públicos, o que é pouco popular. Mas mesmo em períodos de bonança, o governo raramente arrecada mais de 20% do PIB. Existe um limite natural para o que é possível fazer”, acrescentou Pines.
Essa pressão fiscal vai além de um problema doméstico. Ela reflete também mudanças geopolíticas globais que ampliam uma já evidente disputa por poder.
Pressões geopolíticas e soluções não tradicionais
A China continua sendo a principal rival estratégica dos Estados Unidos, e a competição entre as duas potências está mais intensa do que nunca, especialmente em áreas como crescimento econômico, domínio da Inteligência Artificial e capacidade industrial.
Segundo Pines, a China dispõe de múltiplos mecanismos capazes de influenciar negativamente o desempenho americano.
“Vivemos um cenário geopolítico em que nossos adversários — especialmente a China — exercem grande influência sobre nossas cadeias de suprimentos, sobre terras raras… E agora avançaram na cadeia de valor da manufatura”, afirmou. “Eles têm a capacidade de impactar nossa inflação por meio de disfunções nas cadeias de suprimento.”
Diante dessa combinação de desafios, os Estados Unidos podem ser levados a considerar alternativas fora do escopo das políticas econômicas tradicionais.
“Acredito que chegamos ao ponto em que precisamos pensar em formas não convencionais de enfrentar esses problemas”, ressaltou Pines.
Considerando que a atual administração tem demonstrado abertura a ativos digitais, o Bitcoin pode surgir como uma alternativa viável às dificuldades fiscais dos EUA.
O que são os títulos do tesouro aprimorados com Bitcoin — Bitbonds?
Em março, Pines publicou um relatório de política, elaborado em parceria com Andrew Hohns, também executivo do Bitcoin Policy Institute, propondo a implementação dos chamados títulos do tesouro aprimorados com Bitcoin, ou Bitbonds.
Essa iniciativa se fundamenta no conceito de uma Reserva Estratégica de Bitcoin (SBR), que ganhou relevância após uma recente ordem executiva que estabelece a criação de um estoque federal de Bitcoin e outros ativos digitais.
“A administração Trump… basicamente [se comprometeu] a não vender o Bitcoin já adquirido e então [determinou] que os secretários do Tesouro e do Comércio identifiquem, cito, maneiras orçamentariamente neutras de adquirir mais Bitcoin para a SBR, sem custo adicional ao contribuinte”, explicou Pines.
Os Bitbonds podem ser um meio de atingir esse objetivo.
A metodologia dos Bitbonds
Os Bitbonds funcionam como títulos do Tesouro convencionais. No entanto, em vez de direcionar 100% dos recursos captados para as operações do governo, uma fração seria reservada para a compra de Bitcoin. O percentual exato dependeria de decisão do governo federal.
Pines e Hohns sugerem 10% como referência, mas destacam que o percentual inicial poderia ser de apenas 1%.
“O governo poderia emitir, por exemplo, US$ 1 bilhão em títulos de 10 anos e destinar 10% desse valor, que normalmente iria para os cofres públicos, à compra de Bitcoin. Metade disso seria armazenada na SBR de forma permanente”, explicou Pines. “Os outros US$ 50 milhões ficariam em custódia e seriam usados para pagar uma quantidade predeterminada de Bitcoin aos compradores do título ao longo de sua vigência. Basicamente, você estaria adquirindo uma distribuição garantida de uma quantia fixa de Bitcoin durante a duração do título.”
As proporções ainda estão em avaliação. O governo poderia optar por alocar todo o montante na compra de Bitcoin ou direcioná-lo integralmente aos investidores.
Em ambos os casos, o conceito busca incorporar a volatilidade e o potencial de valorização do Bitcoin à estrutura de retorno da dívida pública americana.
O objetivo seria reduzir os juros e aproveitar a valorização do BTC como ferramenta para pagamento da dívida.
Benefícios duplos: redução de juros e valorização com o Bitcoin
As taxas atuais cobradas em novos títulos estão, em certa medida, comprometendo o futuro financeiro do país.
Caso o Tesouro precise emitir nova dívida com juros elevados para quitar obrigações passadas, os contribuintes arcarão com encargos maiores. Esse cenário vem reduzindo a demanda por títulos americanos.
“Se houver uma forma de ampliar essa demanda, reduzindo a taxa que o governo paga, isso pode gerar uma economia expressiva”, disse Pines ao BeInCrypto.
Ele argumenta que os Bitbonds, ao incluir Bitcoin, podem atrair mais investidores.
“O Bitcoin teve, historicamente, uma valorização volátil, porém positiva. Há como estruturar um instrumento que combine a previsibilidade dos títulos tradicionais com o alto retorno potencial do Bitcoin”, detalhou Pines.
Essa maior atratividade poderia permitir emissões com juros mais baixos.
Caso o Bitcoin mantenha sua tendência de valorização com um programa de Bitbonds em andamento, Pines acredita que parte relevante da dívida pública poderia ser equacionada.
Além disso, o envolvimento direto do governo provocaria um forte impacto psicológico e no comportamento do mercado.
Reduzindo os riscos do Bitcoin com apoio estatal
Um programa federal de Bitbonds exigiria compras substanciais de Bitcoin pelo governo. Embora grandes empresas já realizem operações significativas, uma ação em escala federal teria um peso inédito.
Pines destacou que o impacto viria menos do volume e mais do simbolismo.
“O importante seria a sinalização do governo de que adotará essa política. Isso mudaria drasticamente as expectativas futuras em relação ao preço do Bitcoin — muito mais do que os próprios bilhões em compras”, afirmou.
Essa sinalização ajudaria a “reduzir o risco” percebido do Bitcoin, que ainda é visto com incertezas extremas: ou fracassa completamente, ou se torna reserva global de valor.
Com o aval oficial, a hipótese de colapso perderia força.
Pines mencionou ainda um efeito “reflexivo” exclusivo da atuação estatal:
“Quase nenhum emissor de dívida consegue isso, mas se o governo comprar Bitcoin como parte de uma emissão, o preço tende a subir. E se o ativo já estiver atrelado ao título, essa valorização retroalimenta o próprio programa.”
Apesar disso, permanece a questão de como mitigar a volatilidade do Bitcoin para os investidores desses títulos.
Como os Bitbonds lidam com a volatilidade?
O impacto da volatilidade sobre o investidor dependerá de seu perfil de risco. Quem quiser vender antes do vencimento assume riscos — como em qualquer título.
No entanto, investidores que mantiverem o título até o fim terão seu capital devolvido pelo Tesouro, independentemente do desempenho do Bitcoin.
“Do jeito que estruturamos, o risco de perda é equivalente ao de um título tradicional. No pior cenário, o investidor receberá o retorno padrão de um título de 10 anos e não terá ganho extra com o Bitcoin”, disse Pines.
Mesmo com eventual queda do BTC, o projeto garante proteção do principal. Se a moeda subir, o investidor lucra.
Implementação gradual de uma proposta inédita
A adoção dos Bitbonds em um sistema financeiro tradicional e conservador como o dos EUA enfrenta desafios significativos.
Apesar dos argumentos a favor, Pines reconhece que a proposta exige cautela e um plano por etapas.
“Sugerimos que o governo leve a ideia a sério, inicie um programa piloto, teste a receptividade do mercado e avalie o desempenho ao longo do tempo”, recomendou.
Ele reforçou que os Bitbonds não têm o objetivo de substituir o sistema atual, mas de atuar como uma ferramenta complementar.
Ainda que a implementação deva ser gradual e burocrática, o potencial transformador da iniciativa pode alterar a forma como os Estados Unidos lidam com sua dívida pública no longo prazo.o, o conceito apresenta uma oportunidade única para enfrentar os desafios fiscais urgentes do país.
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