“Decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum, que possa ser usada tanto para os fluxos financeiros como comerciais, reduzindo os custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa”.
Estas foram as palavras escolhidas e usadas na carta conjuntada divulgada antes do encontro entre o presidente Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández no final de janeiro de 2023.
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A ideia inicial é criar uma moeda comum para negociação entre os dois países, cujo nome provisório é SUR. A promessa é diminuir a dependência do dólar e aumentar a soberania dos países da América do Sul de forma gradativa
Mas o que está por trás criação de uma moeda comum entre as duas economias sul-americanas? O tema é um dos principais assuntos do novo governo. Afinal, como um novo ativo financeiro em comum beneficiaria o Brasil, uma vez que os vizinhos estão com a economia estraçalhada.
Nós fomos perguntar para juristas, especialistas e economistas do mercado sobre a real necessidade, consequências e benefícios para o Brasil sobre a criação da moeda. O debate incluí o uso de tecnologias como blockchain.
O que é uma moeda comum?
O advogado Daniel Paiva Gomes, sócio da Vieira, Drigo, Vasconcellos e Paiva Gomes Advogados e coordenador do livro “Bitcoin: a tributação das criptomoedas”, começa com uma explicação :
“Uma moeda comum é utilizada por vários países como forma de pagamento e reserva de valor, mas cada país mantém sua própria moeda nacional”.
Ele continua: “Acredito que novos e mais aprofundados estudos sejam necessários para que possamos tomar uma decisão consciente com base em dados. A princípio, tendo a concordar com a opinião exposta pelo economista Paul Krugman, para quem uma moeda comum somente seria viável e eficiente se realizada entre países com economias que são parceiras comerciais muito próximas e com baixos níveis de desequilíbrio, requisitos não preenchidos pelo Brasil e Argentina. Além disso, as estruturas de exportações dos dois países também são diferentes, de modo que choques econômicos e inflação local poderiam causar impactos no projeto”.
Blockchain ao resgate
Para o Head Global de Novos Negócios da Ripio, Henrique Teixeira, a iniciativa é interessante porque pode usar novas tecnologias, como o blockchain. “[O blockchain] pode facilitar o intercâmbio entre divisas, trazendo potencialmente uma solução mais rápida e mais barata para fomentar o comércio internacional entre o Brasil e a Argentina, sem precisar passar pelos arcabouços atuais de conversão”.
Ele acredita que “os governos não necessariamente precisam criar uma moeda e trazer os desafios de implementação tecnológica e econômica que este projeto traria, poderiam seguir as tecnologias que já estão disponíveis e implementar o Bitcoin ou qualquer outro ativo digital que já tenha liquidez e é facilmente conversível com baixo custo e agilidade”.
Teixeira acrescenta também diz que se o projeto for para frente, acredita que os países poderiam usar algum ativo digital com liquidez que já esteja disponível e que tenha paridade com as moedas locais. Algumas moedas que satisfazem esse critério são, por exemplo, Bitcoin (BTC), Ethereum (ETH) ou Ripple (XRP). Ele não vê viabilidade em uma moeda única no curto prazo com economias tão díspares no momento atual.
“Acredito que seria mais viável utilizar uma moeda digital global, que possa ser conversível rapidamente para as moedas locais, com baixo custo e eficiência.”
Riscos da dependência do dólar
O economista especializado em cripto Gabriel Morciani diz que “a dependência do dólar se tornou uma faca de dois gumes para um país como a Argentina. Apesar de um favorecimento a exportações superavitárias por se vender em dólar, há grande prejuízo para a importação quando o país possui baixa reserva internacional (cerca de US$ 35 bilhões) e possui uma moeda fraca que não gera interesse para swap no mercado.
Ele lembra que a inflação da argentina está em 94,8% ao ano, acompanhada de uma taxa de juros de 75% ao ano, de uma dívida de 80% do PIB, ou seja, em algum momento, a administração do país se perdeu. A SUR, apesar de se iniciar com uma ideia bilateral harmônica, vem para beneficiar muito mais a Argentina do que o Brasil.
As exportações e importações da Argentina aumentarão à medida que países não necessitarão comprar pesos argentinos, que são pouco líquidos. Agora, eles terão a SUR como alternativa. Como essa moeda poderá ser usada também no Brasil, teoricamente ela também será mais liquida.
O Brasil por sua vez, terá que assumir o risco em relação à venda em SUR. Uma das dúvidas em relação a nova moeda será o seu lastro. “Como pode um país sem reserva internacional, com alta dívida e moeda desvalorizada, oferecer segurança para o seu credor? Essa questão ainda deve ser respondida, mas por enquanto, a bilateralidade está bem duvidosa”, aponta Gabriel Morciani
O economista vê com bons olhos a adoção de uma stablecoin, principalmente pela exploração de transações internacionais mais rápidas, seguras e baratas. Entretanto, ele lembra, toda stablecoin necessitam de lastro:
“Qual o lastro? Se for reservar de dólar, mais uma vez veremos como será desbalanceado. O Brasil possui uma reserva dez vezes maior que a Argentina. Se formos proporcionais, o Brasil terá concentração de riqueza, aumentando muito seu poder sobre a Argentina. Entretanto, isto provavelmente não será o que Fernandez espera”, finaliza.
Tamanho das reservas influencia nova moeda
O diretor da Blocklize e economista Antônio Cézar Lima cita as riquezas em dólar das duas nações e lembra que o Banco Central do Brasil, tem hoje, uma reserva de, aproximadamente, US$ 326 bilhões. Por outro lado, as da Argentina são de cerca de US$ 38 bilhões.
Diz ele: “Apesar de parecerem valores estratosféricos, essa reserva funciona como uma espécie de seguro, para garantir , o pagamento das dívidas, transações internacionais e possibilitar políticas econômicas. Mas, de modo geral, quando um país possui poucas reservas em dólar, fica mais difícil participar do comércio internacional. Um dos problemas é que o peso é uma moeda de baixa aceitação no mercado global, ou seja, é muito difícil trocar peso por dólar para então fazer comércio”.
“Nesse sentido, a moeda comum faria esse papel, e atuaria na prática, mais como uma moeda virtual do que uma moeda comumente utilizada no dia a dia”.
Para Lima, os defensores da proposta acham que o Brasil tem a chance de aumentar, consideravelmente, suas exportações para a Argentina. Assim sendo, essa proposta seria “muito vantajosa para a balança comercial brasileira, resultando em uma política econômica expansionista”. Além disso, ela “desloca a curva da balança comercial brasileira para a direita, aumentando sua receita”.
Ele lembra que os críticos do projeto apontam que ainda não está claro quais serão os benefícios para o Brasil, principalmente em apostar no comércio com um país em situação de crise como a Argentina. “Ademais, outro ponto que requer atenção é a inflação do país. Ela está em alta crescente ao longo dos anos e, em 2022, fechou pouco abaixo dos 95%”.
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