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Como as diretrizes do GAFI impactam o mundo cripto

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Atualizado por Júlia V. Kurtz

EM RESUMO

  • O que é GAFI?
  • Quais são suas diretrizes para criptoativos?
  • Como elas afetam o mercado cripto e os projetos de lei na Câmara e no Senado.
  • Quais os efeitos práticos da atualização de suas diretrizes em 2021?
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A Financial Action Task Force (FATF), que no Brasil é conhecido como “Grupo de Ação Financeira Internacional” (GAFI), é uma força-tarefa de ação financeira intergovernamental global criada para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.

O GAFI não é um órgão democrático. Ele é formado por representantes indicados pelos países integrantes que tem a missão de criar políticas e recomendações de vigilância financeira não vinculativas.

Mas, se um país que se recusar adotar tais recomendações, pode sofrer graves consequências diplomáticas, como alertado na audiência pública realizada na Câmara dos Deputados em 9 de dezembro de 2019, referente ao PL 2303/2015.

É por este motivo também que muitas recomendações do GAFI são objeto de discussão pela Comissão do Senado brasileiro, que está prestes a aprovar o Marco das Criptomoedas.

Nesse passo, vamos entender como o GAFI se posiciona sobre o espaço cripto.

Quais são as diretrizes do GAFI para criptoativos?

O GAFI emitiu suas primeiras orientações para criptoativos e provedores de serviços de ativos virtuais em 2015, que foram atualizadas em 2019 sob o título “FAFT draft guidance on a risk-based approach to virtual assets and virtual asset service providers (VASPs)”.

Tais diretrizes espelham basicamente as políticas existentes para o combate à lavagem de dinheiro do regulador americano FinCEN.

Nesta linha, a atualização de suas diretrizes em 2019 já exigiu forte monitoramento do mercado cripto, colocando as empresas em pé de igualdade com as instituições financeiras tradicionais, e de modo geral, não impôs políticas mais rígidas ou invasivas de privacidade que os regimes já existentes, como as políticas existentes nos EUA desde 2013, sob a Lei de Sigilo Bancário e a orientação do FinCEN.

No dia 28 de outubro de 2021, contudo, uma nova atualização foi aprovada, com profundos impactos no mercado de criptoativos, principalmente do ponto de vista da privacidade.

A introdução de práticas do sistema bancário no mercado cripto

A recém aprovada atualização das diretrizes do GAFI introduziu as práticas de compliance do mundo bancário no espaço cripto através de dois requisitos:

A “regra de viagem”

De acordo com o GAFI, não é suficiente que os “provedores de serviços de ativos virtuais” (VASPs) compartilhem dados de clientes uns com os outros; é também preciso que seja realizada a devida diligência sobre outros VASPs, com os quais seus clientes fazem transações.

Por isso, foram acrescentados às diretrizes do GAFI outros requisitos de informação que devem acompanhar as transferências de criptoativos; o que é conhecido como “regra de viagem” e está consagrada na Recomendação 16 do GAFI.

Observe que o GAFI não espera que estas informações sejam coletadas para cada transferência individual, mas que um VASP (ou outra entidade regulamentada) realize a devida diligência em um VASP, antes de efetuar a primeira transação com ele pela primeira vez, comprovando se existe:

  • Evidências de que o VASP é regulamentado;
  • Mídia adversa, incluindo se o VASP foi submetido a alguma ação regulatória; e
  • Evidência de que o VASP possui estrutura adequada e satisfatória às políticas de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo (AML/CFT): por exemplo, se ele executa verificações KYC e possui uma política AML/CFT, ou facilita transações com contrapartes de alto risco.

Identificação da contraparte do cliente e imposição de uma coleta significativa de dados

Aqui, a atualização acrescenta que corretoras de criptoativos coletem informações específicas sobre a quem seus clientes estão pagando, ou por quem seus clientes estão sendo pagos.

Note que esta recomendação do GAFI já era exigida no Brasil desde 2019, através da Instrução Normativa 1888, cujo teor determina que as corretoras de criptomoedas do Brasil precisam mensalmente passar à Receita Federal informações sobre as operações realizadas pelos seus clientes. Ou seja, dados como titulares envolvidos na transação, quantidade de criptoativos, valor da operação e valor das possíveis taxas de serviço devem ser reportados à autoridade tributária do Brasil, sob pena de multa.

Nesta mesma linha, ao introduzir a prática da devida diligência da contraparte do cliente, o GAFI está orientando os governos a exigirem do espaço cripto as mesmas práticas de compliance comuns às instituições financeiras.

E é esta mesma linha que os diferentes projetos de lei sobre criptomoedas, atualmente em trâmite na Câmara e Senado, estão seguindo.

Como o GAFI enfrenta os desafios e as inovações do ecossistema cripto?

A atualização das diretrizes do GAFI também tentou enfrentar alguns dos desafios regulatórios mais urgentes envolvendo as inovações trazidas pelos ativos virtuais.

Vejamos então qual seu posicionamento ao abordar tópicos como transferências P2P e carteiras não hospedadas (hardware wallets).

Transferências P2P

A abordagem da natureza peer-to-peer (P2P) dos ativos virtuais é uma questão que em intrigado o GAFI.

Isto porque, no setor financeiro atual, onde as normas do GAFI são aplicadas há mais de três décadas, não são possíveis transações eletrônicas P2P completas. Consequentemente, as normas do GAFI nunca abordaram como gerenciar eventuais riscos associados às transferências eletrônicas P2P que são a principal inovação do bitcoin.

Segundo os reguladores, as transações P2P podem apresentar altos riscos, dado que por não envolverem a presença de entidades reguladas, elas ocorrem for a da esfera de supervisão de órgãos de fiscalização.

Em consequência disto, desde a publicação de suas primeiras diretrizes para o mercado de criptoativos em 2015, o GAFI se propôs a abordar os riscos relacionados às transferências P2P, por entender que este tipo de transação oferece aos atores ilícitos um método ideal para transferir fundos.

Entretanto, graças a organismos como o Coin Center, que se propõe a educar os formuladores de políticas e a defender abordagens regulatórias sensatas para criptoativos, o GAFI evitou adotar uma abordagem drástica nesta atualização de 2021.

Bem por isso, em sua segunda revisão da implementação de suas normas para ativos virtuais, o GAFI afirmou não pretender estender seus padrões a usuários individuais de ativos virtuais, ou recomendar a regulamentação direta das transferências P2P.

E concluiu que seu “foco em colocar controles AML/ CFT em intermediários (como os VASPs) deve ser mantido por enquanto” e que não procuraria emendar suas diretrizes para proporcionar supervisão direta das transferências P2P e dos usuários de carteiras não hospedadas (cold wallets).

No entanto, a orientação mais recente do GAFI pede aos países que considerem como administrar os riscos relacionados às transferências P2P, mas através de um método diferente: regulando como os VASPs devem interagir com carteiras não hospedadas – isto é, aquelas não custodiadas por um VASP ou outra entidade regulamentada.

Daí porque o GAFi sugere uma série de medidas que os países podem tomar para enfrentar os riscos das transações P2P como, por exemplo, a exigência de que os VASPs apresentem relatórios de transações monetárias, quando seus clientes fazem transações com hard wallets.

Aqui, mais uma vez, vemos uma tentativa de impor um paradigma regulatório projetado para bancos no setor de ativos virtuais.

Carteiras não hospedadas

O GAFI peca ao pautar suas diretrizes na suposição de que as transações envolvendo carteiras de hardware, por não envolverem contrapartes regulamentadas, oferecem riscos mais altos que transações com VASPs.

Ora, os dados nos mostram um contexto diferente. A grande maioria das atividades transacionais P2P em criptos é legítima e não envolve interação com entidades ilícitas.

Como mostra pesquisa realizada pela empresa de análises on-chain Elliptic, apenas 0,6% das transações P2P em Bitcoin foram enviadas ou recebidas por uma entidade ilícita em 2020. Portanto, a sugestão de que os países proíbam VASPs de lidar com cold wallets é desproporcional ao quadro real de risco.

Além disso, proibir VASPs de terem qualquer interação com cold wallets é inviável. A natureza não permissionada e imutável dos VASPs de código aberto torna impossível a rejeição de transferências de fundos recebidos de hard wallets. Conquanto seja possível o bloqueio ou restrição ao acesso dos clientes a esses fundos após recebê-los, um VASP não pode evitar recebê-los de uma carteira auto custodiada.

Além disso, a pesquisa da Elliptic indica que aproximadamente 80% dos lucros criminosos em Bitcoin são lavados através de corretoras de criptoativos e outros VASPs.

Logo, as evidências não sugerem que criptoativos derivados de fontes ilícitas continuem circulando entre hard wallets – ao contrário, esses fundos constantemente se dirigem a entidades regulamentadas.

Mas o que realmente pretende o GAFI com as mudanças introduzidas nas suas diretrizes para ativos virtuais? Quais os reflexos desta última atualização na prática?

Takeaway

Esta última atualização de suas diretrizes representa uma tentativa do GAFI de permanecer relevante em meio a rápidas mudanças e inovações que ocorrem em todo o setor de ativos virtuais.

Em resumo, ela revela um objetivo específico dos formuladores de políticas: enquadrar o setor de criptoativos em antigas estruturas regulatórias e forçar os prestadores de serviços de ativos virtuais (VASPs) a se comportarem como bancos.

Na prática, este esforço pode produzir resultados mistos.

Por um lado, é provável que o GAFI consiga acelerar uma convergência nas normas de compliance entre o setor de ativos virtuais e as principais finanças. A orientação deixa claro que VASPs precisarão aderir ao mesmo conjunto de práticas de compliance que os bancos já adotam.

Uma maior clareza do GAFI sobre normas regulatórias também possibilita que instituições financeiras e outros atores institucionais regulados lancem produtos e serviços de ativos virtuais.

No entanto, ao confiar em estruturas regulatórias de longa data projetadas para governar os bancos, as diretrizes do GAFI podem acabar criando mais obstáculos à tentativa de solucionar questões mais complexas do espaço cripto, tais como as finanças descentralizadas (DeFi).

E você, o que achou dos impactos da atualização das recomendações do GAFI para o mercado cripto? Achou adequada, exagerada, ou aquém do que deveria?

Pense nisto até nosso próximo encontro. Até breve!

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Tatiana Revoredo
Tatiana Revoredo é membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Inovação e Tecnologia. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Especialista em Blockchain Business Applications pelo MIT. Especialista em Artificial Intelligence & Business Strategy pelo MIT Sloan & MIT CSAIL. Especialista em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Convidada pelo Parlamento Europeu para a “The Intercontinental Blockchain Conference”....
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