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Criptomoedas podem evitar sanções da OTAN à Rússia?

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Atualizado por Júlia V. Kurtz

EM RESUMO

  • A preocupação generalizada com o uso de criptos para evitar o embargo econômico. O que são e qual a abrangência das sanções da OTAN à Rússia?
  • Porque o uso de cripto é limitado para a evasão das sanções? O que o mercado cripto pode fazer para fortalecer o compliance às sanções?
  • A possibilidade das pessoas, que realmente são as vítimas da guerra, terem uma escolha.
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No artigo anterior desta coluna, descobrimos por que, no caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, criptomoedas podem ser usadas tanto pelos simpatizantes à Ucrânia que desejam apoiar as forças armadas daquele país, como pelos oligarcas bilionários próximos a Vladimir Putin para amenizar o embargo econômico imposto à Rússia.

Agora, vamos verificar até que ponto elas realmente podem ajudar a evasão e mitigação das sanções impostas pela OTAN, tendo em conta o alarde generalizado nas últimas semanas sobre essa possibilidade.

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Como as preocupações parecem ter origem no desconhecimento do que são, qual o alcance das sanções, e como as corretoras de criptomoedas estão atuando, nosso artigo de hoje busca desmistificar a confusão, trazendo alguma luz em torno deste assunto.

A preocupação generalizada do uso de criptomoedas pela Rússia para evitar o embargo econômico imposto em razão da guerra

Os Estados Unidos, a União Europeia, o Reino Unido, e o resto das nações integrantes do G7 impuseram sanções à Rússia em resposta à invasão da Ucrânia.

Logo em seguida, uma enxurrada de manifestações públicas inundou a Internet para alertar quanto ao risco da Rússia utilizar criptomoedas a fim de burlar o aperto econômico imposto.

Em 28 de fevereiro, a senadora Elizabeth Warren retuitou o relatório do NYT, dizendo que “Os reguladores financeiros dos Estados Unidos precisam tomar essa ameaça a sério e aumentar seu escrutínio aos ativos digitais”.

Dois dias depois, o gabinete de Warren publicou uma carta co-assinada por três outros democratas do Comitê Bancário do Senado, pedindo ao Tesouro que explicasse o trabalho da OFAC quanto à evasão das sanções.

Do mesmo modo, o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, disse que: “Estamos tomando medidas em particular sobre as criptomoedas e os criptoativos, que não devem ser usados para contornar as sanções”.

Na mesma linha, inúmeros veículos de imprensa, como New York Times, Financial Times, The Guardian, Wall Street Journal, Bloomberg e Politico se juntaram ao refrão sobre como a Rússia pode se utilizar das criptos para mitigar sanções.

Parece que todo mundo está em alerta para o uso de criptomoedas como forma de evasão.

Mas tais preocupações possuem fundamento na realidade? Para responder tal pergunta, antes é necessário descobrirmos a resposta para outra pergunta.

No que consistem as sanções à Rússia impostas pela OTAN?

  • Os Estados Unidos, a União Europeia, o Reino Unido e o Canadá baniram certos bancos russos da SWIFT, a rede de alta segurança que facilita os pagamentos entre 11.000 instituições financeiras em 200 países.
  • A Alemanha suspendeu a certificação do gasoduto Nord Stream 2 após as ações de Moscou.
  • Também o Japão, a Suíça, a Austrália e Taiwan impuseram sanções à Moscou, condenando a incursão militar que se desenrolou nos últimos dias.

Basicamente, podemos dividir as sanções impostas em seis categorias:

  1. Proibições específicas aos maiores bancos da Rússia, seu banco central, empresas estatais e fundos de investimento
  2. Exclusão dos principais bancos russos da Swift.
  3. Sanções direcionadas contra funcionários sênior russos, oligarcas e membros de suas famílias
  4. Controles de exportação
  5. Restrições ao comércio e ao investimento em certas regiões da Rússia.
  6. Exigência de bloqueio de fundos associados à evasão de sanções russas (inclusive via criptos).

Ou seja, apenas esta última categoria relacionada ao bloqueio de fundos russos está associada à criptos como ferramenta à evasão de sanções.

Nesse quadro, a Rússia já está pagando um alto preço por sua agressão.

As ações e a moeda do país (o rublo) despencaram na semana passada depois que Putin ordenou a entrada de tropas na Ucrânia oriental.

A bolsa de valores da Rússia foi fechada na segunda-feira (28). O rublo bateu recorde de baixa na segunda-feira, deslizando até 30% em relação ao dólar, enquanto o Banco Central russo mais do que dobrou as taxas de juros para 20%.

Ainda assim, a narrativa de que a Rússia está mitigando as sanções via criptomoedas parece estar fora da realidade, pois, segundo a Chainalysis, o volume de negociação de criptomoedas por rublo foi de apenas US$ 34,1 milhões na última quinta-feira (3), cerca da metade dos US$ 70,7 milhões registrados no último pico em 24 de fevereiro.

Logo, a demanda por cripto na Rússia continua modesta.

Grandes bancos sancionados na Rússia podem usar criptomoedas ou exchanges para fugir das sanções?

Corretoras como a FTX têm em vigor regras de conformidade e medidas de KYC (compliance) para encontrar e detectar essas pessoas. E estão usando a transparência da rede blockchain para monitorar eventuais atividades com criptomoedas por quem está na lista negra das sanções, trabalhando com reguladores, plataformas de rastreabilidade de dados on chain como a The Elliptic e a Chainalysis, e equipes da Segurança Nacional.

Observe que há um ou outro banco russo sancionado, mas há muitos outros que ainda não estão sujeitos a sanções até agora.

Por que o uso de criptomoedas é limitado para a evasão das sanções?

Para entendermos se é provável o uso de criptomoedas para evitar as sanções da OTAN, é necessário ter a exata dimensão da economia russa e de seu setor financeiro.

A Rússia é a 11ª maior economia do mundo, com um total de importações anuais no valor de US$ 247 bilhões, um total de exportações na casa dos US$ 426 bilhões, e um total de US$ 1,4 trilhões de ativos no setor bancário.

Se considerarmos que o total de valor de mercado atual de todos os criptoativos está em torno de 1,9 trilhões (segundo o CoinMarketCap), podemos concluir que seria necessário utilizar criptomoedas em uma escala muito substancial para a Rússia conseguir evitar as sanções impostas.

Logo, o uso de cripto pela Rússia para a evasão das sanções é limitado, principalmente devido aos seguintes motivos:

  • A insuficiência de liquidez e acessibilidade, ou o próprio propósito da Rússia.
  • O desafio de utilização para pagamentos e outros serviços em escala de massa
  • A alta volatilidade dos criptoativos
  • transparência da rede blockchain que permite a qualquer um visualizar as transações de criptos que usam blockchains não-anônimos como o bitcoin e o ether.
  • Já existem soluções de conformidade para criptomoedas

O que o mercado cripto pode fazer para fortalecer o compliance às sanções da OTAN?

Apesar de existirem exchanges em total desobediência às diretrizes do GAFI, como por exemplo a Suex e Chatex (que facilitam a liquidez para ciber criminosos converterem suas criptos em moedas fiduciárias), a grande maioria dos servidores de serviços de criptoativos (VASPs) já estão em conformidade com as sanções impostas.

O que VASPs têm feito para fortalecer o compliance às sanções da OTAN?

Segundo a Chainalysis, a resposta a esta pergunta pode ser resumida em 6 (seis) passos:

Colete as informações do Know Your Customer (KYC) e faça uma triagem contra listas de sanções

Qualquer negócio de criptomoedas deve explorar a coleta de informações via KYC de novos usuários ao se cadastrar, registrando informações como nomes de clientes, endereços, números de telefone, e-mails e documentação relacionada.

Como parte do processo KYC, as empresas de criptomoedas devem examinar essas informações diante das listas de sanções para se abster de fazer negócios com quaisquer indivíduos, entidades ou com países sancionados.

Bloquear endereços de IP baseados nas jurisdições sancionadas

De acordo com a orientação da OFAC, corretoras fazer uma triagem de endereços IP para impedir que usuários em jurisdições sancionadas acessem seus produtos e serviços.

Monitorar continuamente as transações

As corretoras podem selecionar transferências a fim de garantir que não incluam endereços de criptomoedas identificados como partes ou países sancionados. Os alertas de monitoramento de transações são cruciais aqui para que as equipes de compliance possam agir imediatamente caso um de seus usuários tente uma transação com uma entidade ou país sancionado.

Realizar a devida diligência da contraparte

Às vezes, os prestadores de serviços, em vez de indivíduos ou jurisdições, são sancionados. A Suex e a Chatex – duas corretoras de criptomoedas baseadas na Rússia – se enquadram nesta categoria. As corretoras devem identificar suas contrapartes corporativas para garantir que estas organizações também estejam sujeitas a sanções.

Tela para violações de regras de viagem

As corretoras podem usar as informações das Regras de Viagem para selecionar ainda mais as transferências. As corretoras, via Chainalysis ou the Elliptic, podem usar integrações de Regras de Viagem para definir regras baseadas em risco para restringir automaticamente as transferências de regras de viagem de entrada ou saída com VASPs que são sancionados, ou não atendem aos critérios de due diligence.

Informar quando forem encontradas interações com as partes designadas na lista negra das sanções

Se a atividade de um usuário for indicativa de violações de sanções, as corretoras baseadas nos EUA devem avaliar se ele é legalmente obrigado a apresentar um Relatório de Atividades Suspeitas (SAR) ao FinCEN e os relatórios regulamentares necessários ao OFAC. As corretoras baseadas em outros países devem seguir as exigências de relatórios definidas por sua jurisdição. Se a atividade sancionada for identificada após este período, as corretoras devem avaliar se uma auto-divulgação voluntária é apropriada.

Apesar da necessidade da existência de regras de compliance para que os serviços de provedores de criptoativos estejam de acordo com as sanções impostas pela OTAN, é preciso observar se tais medidas não são prejudiciais aos cidadãos comuns.

E digo isto porque conquanto Putin seja “indiferente” às sanções ocidentais contra ele por não tem ativos no exterior, segundo seu porta-voz, Dmitry Peskov, fato é que os cidadãos russos, inclusive os russos contrários à guerra, estão sendo fortemente impactados pelo embargo econômico.

Quando um cidadão russo usa uma exchange para amenizar a depreciação do rublo, há alguma violação das sanções?

Muitas exchanges se posicionaram publicamente acerca das sanções.

A FTX disse que “seguirá todas as sanções […].” Mas ressaltou: “A FTX não tem planos de restrições adicionais às sanções internacionais e não bloqueará os fundos de nenhum cliente a menos que sejam especificamente mencionados nestas sanções”.

Da mesma forma, duas das maiores corretoras de criptomoedas do mundo, a Coinbase, e a Binance, rejeitaram medidas de proibição geral no sentido de impedir todos os usuários russos de utilizarem suas plataformas como uma forma de contornar as sanções ocidentais.

Aqui, é importante esclarecer que só há violação das sanções, caso seja permitido a indivíduos, que efetivamente estão na lista de sanções, negociem nas plataformas das exchanges.

Por exemplo, se um cidadão russo comum está usando exchanges para se proteger dos efeitos das sanções, e ele não está na lista negra, nem ele nem a corretora de criptomoedas estará violando as sanções.

Vale destacar, neste momento, que as corretoras estão cumprindo à risca a letra da lei, conforme estabelecido pela SEC e pelo CFTC que não veem problema permitir que os cidadãos russos negociem cripto em exchanges; não veem isto como uma violação das sanções.

Possibilidades

No final das contas, estamos assistindo pela primeira vez a possibilidade das pessoas que realmente são as vítimas da guerra terem uma escolha.

Bitcoin e as criptomoedas são um “dinheiro global apolítico”. E, apesar de não estarmos assistindo a um aumento das transações peer-to-peer na Ucrânia e na Rússia, segundo a Coindance, só a possibilidade do uso de Bitcoin e das demais criptomoedas para evitar os efeitos nefastos da guerra por quem é mais atingido por ela, já é algo extraordinário.

Também é inédito o fato das corretoras de criptomoedas se posicionarem no sentido de que respeitarão as sanções, mas não farão uma proibição geral a todos os usuários russos.

E aqui, cabe destacar como é possível diferenciar os russos “sancionados” (russos na lista negra) dos russos comuns.

Em 2018, vimos o Tesouro americano emitir pela primeira vez uma sanção contra um endereço de uma carteira Bitcoin. Um dos desafios interessantes para a época é que o endereço da carteira Bitcoin é apenas uma seqüência de caracteres. Mas hoje, já é de conhecimento geral que é possível ligar um endereço de bitcoin a uma pessoa.

Isto é, sempre que o detentor daquele endereço Bitcoin quiser interagir com o sistema financeiro tradicional para adquirir moeda fiduciária, o detentor daquele endereço estará interagindo com uma instituição financeira que fará muitas verificações de antecedentes e reunirá dados sobre quem o detentor daquele endereço de bitcoin é.

Ora, é muito difícil mover milhões de dólares dentro e fora do mercado cripto sem tocar em uma instituição financeira legada.

Por fim, a necessidade da guerra levou à Ucrânia a virar uma nação cripto. Mais de 35.000 diferentes endereços de carteira doaram US$ 54,7 milhões em ajuda ao governo ucraniano.

E o surpreendente aqui é que qualquer pessoa no mundo pode doar este dinheiro.

Qualquer pessoa com uma conexão à Internet, seja morador da África, do sudeste asiático ou da América Central, pode enviar dinheiro para ajudar os ucranianos ou os refugiados de guerra através de uma exchange ou do endereço de sua própria carteira. E isso é realmente fabuloso.

E você, consegue perceber que a transparência da rede blockchain permite a qualquer um monitorar para onde as doações em cripto estão efetivamente sendo enviadas?

Tinha ideia de que um protocolo de transação descentralizado é capaz de enviar um ativo de valor para qualquer parte do mundo em questão de minutos?

Reflita sobre isto até nosso próximo encontro. Nos vemos em breve!

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Tatiana Revoredo
Tatiana Revoredo é membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Inovação e Tecnologia. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Especialista em Blockchain Business Applications pelo MIT. Especialista em Artificial Intelligence & Business Strategy pelo MIT Sloan & MIT CSAIL. Especialista em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Convidada pelo Parlamento Europeu para a “The Intercontinental Blockchain Conference”....
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