Voltar

Crédito Rural 4.0: a revolução financeira que pode destravar o agro brasileiro

author avatar

Escrito por
Filipe Pena

editor avatar

Editado por
Lucas Espindola

24 setembro 2025 12:00 BRT
Trusted
  • Plano Safra cobre menos da metade da demanda anual de crédito agrícola, deixando produtores familiares em desvantagem.
  • Agfintechs, fundos estaduais e FIAGROs oferecem alternativas mais rápidas e competitivas de financiamento.
  • Tokenização de safra e CPRs conecta o agro a investidores globais, trazendo liquidez e inclusão financeira.
Promo

O crédito rural brasileiro movimenta cifras bilionárias e é vital para manter o Brasil como potência agrícola mundial, mas ainda enfrenta gargalos históricos que limitam seu alcance. Em 2025, o Plano Safra disponibilizou R$516,2 bilhões para médios e grandes produtores e R$89 bilhões para a agricultura familiar. Embora robusto, esse montante cobre menos da metade da demanda anual, estimada em cerca de R$1,2 trilhão. Burocracia, exigências de garantias e concentração de crédito em grandes produtores deixam pequenos e médios agricultores em desvantagem em um país onde eles são responsáveis por parte essencial da produção de alimentos.

Atualmente, a lacuna é preenchida principalmente por fontes privadas, compostas por bancos, cooperativas, mercado de capitais e instrumentos como LCAs, CRAs e operações de barter, mas o acesso a essas alternativas ainda é restrito para muitos. Uma pesquisa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) revela que 38% dos produtores nunca conseguiram acessar qualquer tipo de financiamento, um dado que escancara a exclusão financeira no campo. Outro dado relevante é que mais de 70% do crédito rural no Brasil está concentrado em grandes propriedades, enquanto a agricultura familiar responde por cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, segundo o IBGE e a FAO.

Esse contraste expõe um paradoxo: embora o agronegócio seja um dos setores mais fortes da economia nacional, sustentando exportações e crescimento do PIB, boa parte da sua base produtiva permanece à margem do crédito formal. É nesse contexto que novas soluções ganham força – das agfintechs à tokenização de ativos – não para substituir o modelo tradicional, mas complementá-lo com alternativas mais ágeis, digitais e acessíveis.

Agfintechs e fundos regionais

Sponsored
Sponsored

É aqui que o chamado Crédito Rural 4.0 se revela como a nova fronteira da inovação no campo, combinando tecnologia e novos arranjos financeiros com o objetivo de democratizar o acesso ao financiamento agrícola. Startups conhecidas como agfintechs já oferecem crédito digital com prazos muito mais curtos do que o sistema tradicional: enquanto um empréstimo bancário pode levar até 30 dias, plataformas digitais concluem o processo em menos de 48 horas, com tudo feito online.

Em 2024, o Brasil já contava com 97 fintechs agrícolas, segundo o Distrito, um crescimento de 14% em relação ao ano anterior. Empresas como a Agree transacionaram mais de R$800 milhões desde 2022, atuando como marketplaces que conectam produtores a uma rede de bancos parceiros e ampliam a competição. No Paraná, fundos regionais apoiados pelo governo estadual também já oferecem crédito com juros mais atrativos e maior previsibilidade em modelos de blended finance que combinam capital público e privado.

Essas experiências mostram como o financiamento rural brasileiro se transforma em uma verdadeira colcha de retalhos de instrumentos financeiros, formada por fintechs, fundos estaduais e, mais recentemente, pelos FIAGROs (Fundos de Investimento nas Cadeias Agroindustriais) – que vêm ganhando espaço como veículos de investimento capazes de canalizar recursos públicos e capital privado dos estados da federação, em modelos de blended finance que combinam diferentes fontes *e não dependem apenas do crédito federal oriundo do Plano Safra*. Em paralelo, as versões estruturadas em âmbito estadual surgem como mecanismos de fomento, direcionando recursos de forma organizada ao agronegócio regional, o que fortalece cadeias produtivas locais e amplia a diversidade das fontes de funding do setor. Esse mosaico contribui para *reduzir a dependência das linhas oficiais de financiamento rural* e criar um ecossistema mais competitivo e resiliente.

Quando a safra vira ativo digital

A inovação não se limita à digitalização de processos. O uso de blockchain e a tokenização de ativos prometem mudar a lógica do financiamento rural. Hoje, produtores já podem converter sua safra ou títulos de crédito do agronegócio, como a Cédula de Produto Rural (CPR), em tokens digitais negociáveis para antecipar recursos com mais transparência e liquidez. A Agrotoken, por exemplo, tokenizou mais de 230 mil toneladas de grãos até meados de 2024, movimentando cerca de R$350 milhões no Brasil e na Argentina, permitindo que os agricultores custeassem operações sem vender fisicamente a colheita.

Outra iniciativa interessante vem da Rivool, que tokeniza CPRs para captar recursos no exterior e emprestá-los aos produtores brasileiros, com potencial de atrair até US$100 milhões ao agro nacional até o final de 2025. Esses exemplos mostram como o Crédito Rural 4.0 conecta o campo a fontes globais de financiamento, trazendo liquidez e reduzindo barreiras geográficas. No que tange o cenário internacional, plataformas como a EthicHub (México) já conectam agricultores familiares a investidores globais via blockchain, com inadimplência abaixo de 3%.

Inclusão financeira e regulação inteligente

Mais do que inovação, o Crédito Rural 4.0 representa inclusão social e econômica. Ao substituir garantias tradicionais por análises baseadas em dados de produção, clima e manejo, pequenos produtores passam a ter acesso a crédito justo e adaptado à sua realidade. O Brasil, que já se destacou em frentes como o Pix e o Open Finance, tem potencial para liderar também no crédito agrícola digital.

O desafio é equilibrar inovação e responsabilidade: crédito sem supervisão pode gerar riscos sistêmicos, mas manter a rigidez atual significa perpetuar a exclusão de milhões de agricultores. É papel de reguladores, instituições e governos criar um ambiente ágil que estimule inovação sem comprometer a segurança. Com isso, o país não apenas aumentará a competitividade do agro, mas poderá liderar uma nova era de inclusão financeira no campo. Afinal, num país que alimenta boa parte do mundo, garantir que a tecnologia também alimente as oportunidades de quem produz é simplesmente inadiável.

Isenção de responsabilidade

Todas as informações contidas em nosso site são publicadas de boa fé e apenas para fins de informação geral. Qualquer ação que o leitor tome com base nas informações contidas em nosso site é por sua própria conta e risco.