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Como a vitória de Milei impacta o cenário cripto na Argentina? Exchanges comentam

8 mins
Atualizado por Júlia V. Kurtz

O preço do Bitcoin na Argentina subiu 3% desde o anúncio do novo presidente eleito no país. Javier Milei derrotou seu adversário, o ex-ministro da economia Sérgio Massa com quase 56% dos votos contra 44% do peronista.

O político do La Libertad Avanza, pró-cripto e defensor do Bitcoin, disse que vai manter a promessa de fechar o Banco Central argentino. Mas afirmou que deve manter – por enquanto, pelo menos, – a taxa de câmbio.

A vitória ocorreu em uma das eleições mais polarizadas da Argentina e tirou o peronismo do poder após mais de 45 anos.

Milei recebe economia em frangalhos

Em sua primeira declaração pública, o novo chefe de Estado da Argentina afirmou:

“Hoje começa a reconstrução da Argentina. Hoje começa o fim do declínio da Argentina. O modelo de decadência terminou. A Argentina retornará ao seu lugar no mundo que nunca deveria ter perdido. Vamos trabalhar ombro a ombro com todas as nações do mundo livre, para ajudar a construir um mundo melhor. Nossas palavras-chave são governo limitado, respeito aos direitos de propriedade e livre comércio”.

Milei, até agora, apenas fez discursos e promessas em relação à maior inflação em mais de três décadas, uma dívida externa bilionária e 40% da população em situação de pobreza. Por outro lado, ainda não detalhou nenhum plano de como pretende tirar a Argentina de uma das piores crise socioeconômica da história.

Ele disse que deve demorar entre 18 e 24 meses para controlar a inflação do país, que ultrapassa 140% ao ano. O 52º presidente argentino também prometeu privatizar tudo o que puder.

Bitcoin, Stablecoins, Bolsa de Valores e dólar sobem na Argentina

A cotação do Bitcoin na Argentina subiu 3% após a vitória de Milei. Como a segunda-feira foi feriado no país, a bolsa só voltou a operar no dia seguinde, quando subiu mais de 20% na abertura do pregão.

O índice merval registrou o melhor dia em 22 anos, segundo Javier Milei.

O dólar blue, cotação paralela da moeda norte americana, chegou a 1.000 pesos.

Executivos falam sobre Milei

O BeInCrypto conversou com executivos e CEOs das exchanges que operam na Argentina. Eles falaram sobre a valorização do Bitcoin, o cenário do país e a relação comercial com o Brasil.

O CEO e fundador da Ripio, Sebastian Serrano, por exemplo, afirma que viu um aumento de 30 % no volume de stablecoins negociadas nos últimos três meses na plataforma.

“As stablecoins são cada vez mais usadas, e as várias instâncias da eleição na Argentina aumentaram consistentemente em volume. Entre julho e agosto, tivemos um aumento de 110% nas transações de stablecoins, dobrando o volume negociado. Quanto ao primeiro turno das eleições gerais, também houve um aumento significativo, que de setembro a outubro pudemos medir em cerca de 68%. Cumulativamente, de julho até o final de outubro, pudemos observar um aumento de 30% no volume de stablecoins negociadas”.

O criptodólar da Ripio (UXD), uma stablecoin pareada ao dólar, se tornou a principal moeda negociada na Ripio Wallet durante o período eleitoral. Ela teve market share de cerca de 50%, superando DAI, USDT e USDC. 

“Durante o primeiro fim de semana das eleições gerais em Outubro, registramos um aumento de 180% em novos usuários, juntamente com um aumento de 50% na atividade da plataforma. Além disso o volume de compras de UXD aumentou em 112% e o número de usuários que compraram UXD cresceu em quase 80%. Na semana anterior ao primeiro turno das eleições, as stablecoins representaram 88% do volume total transacionado e, na semana seguinte, o volume representou 76%”, detalhou Serrano.

Eleição movimentou mercado cripto na Argentina

Já na semana que antecedeu a votação do segundo turno no mês de novembro, mais de 1 milhão de UXDs foram negociados na Ripio. 

“No domingo das eleições, as transações com Criptodólar (UXD) tiveram um aumento de mais de 600% em comparação com o domingo anterior.”

O número de novos usuários no 2º turno aumentou consideravelmente em outubro. O incremento foi de cerca de 110% em relação ao domingo anterior ao do pleito. O ticket médio de compra de UXD foi 50% maior do que na semana anterior.

Ou seja, os dados da Ripio mostram o forte interesse da população no mercado de criptoativos, principalmente stablecoins. Outro dado é a busca da população para encontrar a melhor maneira de proteger o patrimônio e mitigar os efeitos da perda do valor da moeda local.

Vitória é oportunidade para criptomoedas

Já o Country Manager da Trubit, Matias Reyes, disse que muitos no ecossistema cripto enxergaram a vitória de Milei como uma grande oportunidade para fortalecer as moedas digitais.

“Tanto é que, após o anúncio de sua vitória, sua valorização teve um aumento de quase 3%, refletindo a importância do mercado argentino para todo o ecossistema de criptomoedas.”, destacou Reyes.

A CoinEx, por outro lado, disse que a vitória de Milei pode ter implicações significativas para o cenário de criptomoedas.

“Observando objetivamente, analistas apontam para uma possível abertura em relação à adoção de criptoativos. Embora se preveja um aumento nos próximos anos devido às posições manifestadas por Milei durante sua campanha, é importante notar que mudanças legislativas complexas podem retardar a concretização dessas intenções”, disse a CoinEx.

Expectativas para o cenário econômico

O CEO da Ripio acredita que será necessário definir claramente as regras, e isso vai além de um escopo de regulamentações, leis e impostos sobre o uso de criptomoedas. Ou seja, também abrange o tema de como administrar uma empresa com sede na Argentina.

A estabilização da economia será um tema extremamente importante a ser discutido, porque com os níveis de hiperinflação e com movimentos tão acentuados na relação peso-dólar está se tornando impossível firmar qualquer tipo de acordo na Argentina: um aluguel, um contrato, mas também uma venda de um produto ou serviço, lembra Serrano

O executivo também ressaltou a importância de desenvolver e dialogar com o ecossistema cripto

“Agora, consideramos que será fundamental que as ações do novo governo sejam realizadas com conhecimento do ecossistema, das ferramentas e do mercado. As criptomoedas, a web3 e todos os serviços e produtos baseados em blockchain são uma mudança de paradigma. Elas definem o pulso do mundo moderno”, diz Serrano.

A perspectiva da CoinEx é condicionada à resolução da atual restrição para a compra de dólares na Argentina. Conforme a exchange, a complexidade gerada por mais de 15 taxas de câmbio diferentes impacta negativamente diversos setores. A remoção dessa limitação, por outro lado, possivelmente por meio de medidas do novo ministro da economia, pode resultar em uma maior adoção do ecossistema cripto

As declarações de Milei sobre a possibilidade de os cidadãos escolherem a moeda em transações pós-dolarização sugerem uma abertura para criptoativos. Isso resulta em uma adoção mais expressiva.

A Diretora de Vendas Institucionais da BitGo para América Latina, Juliana Walenkamp  diz que Milei atacou os gastos excessivos e a má gestão do ex-presidente Macri. Ele propôs cortes rápidos nos gastos do governo para equilibrar os orçamentos públicos.

Entre algumas das medidas anunciadas, o fechamento do Banco Central da Argentina e a dolarização da economia são postos em debate.

“Seu plano de reduzir gastos do Governo ao equivalente a 15% do PIB de uma maneira brusca é audacioso e necessita do apoio do Congresso para muitas iniciativas, o que ainda não está confirmado. Ainda que o Banco Central seja responsável pela emissão de moeda local, outras atribuições são responsabilidade desta autarquia e são muito importantes para o funcionamento de um sistema financeiro saudável do país como supervisão dos atores e medidas de prevenção à lavagem de dinheiro”, diz.

Leia mais: Sofri um golpe, e agora? Como agir em casos de fraude

Fechamento do Banco Central

Com várias propostas a serem discutidas depois da posse, Serrano diz crer que as ações a serem realizadas pelo novo governo devem considerar a necessidade urgente de mudar o cenário econômico do país.

“Daqui para frente, devemos ter um mundo multichain, em que a tecnologia blockchain será cada vez mais importante”, acredita.

“Fechar o Banco Central na Argentina exigiria passar pelo Congresso e acordos institucionais com outras forças políticas. Na minha opinião, é improvável de acontecer. No entanto, o que acredito que ocorrerá é uma reforma no Estatuto Orgânico do Banco Central, especialmente para limitar o financiamento do Tesouro por meio da emissão monetária e alcançar a completa independência do Banco, como visto em outros países da região”, lembra Reyes.

O country lead da TruBit na Argentinaainda observou que, durante o governo de Cristina Kirchner, houve uma mudança na política do Banco Central, transferindo seu controle para o Estado. Em suma, isso tem sido o principal problema que levou ao aumento da inflação na Argentina.

“Em relação aos objetivos de Milei, parece ser a única maneira de realizar isso, já que tentar fazê-lo por meio de um decreto também seria bloqueado pelo Supremo Tribunal por ser reconhecido como inconstitucional”.

Ele acha muito improvável que isso aconteça, mas diz que se o Banco Central conseguir independência, a Argentina precisaria se tornar autossustentável.

Em suma, isso significa que o Tesouro teria que financiar seu déficit fiscal apenas por meio da dívida pública ou alcançar superávits fiscais. Nesse cenário, o impacto provavelmente seria não inflacionário ou, pelo menos, reduziria significativamente as taxas de inflação atuais, diz Reyes.

Dolarização da economia

A dolarização da economia está no centro da discussão na Argentina, mas a proposta é considerada inviável para economistas brasileiros. Eles acreditam que não parece haver nem apoio externo para isso.

A Argentina não tem dólares para pagar a dívida e, caso o país se dolarizasse, teria uma dívida ainda maior na moeda norte americana. É importante que haja um nível de cotação de câmbio previsível e competitivo, taxas de juros razoáveis e um marco macroeconômico estável, explica Sebastian.

Reyes, por outro lado, não vê a dolarização da economia acontecendo tão já.

“Na verdade, nos recentes discursos de Milei como Presidente eleito, ele fala sobre a livre competição de moedas na economia argentina, não dependendo exclusivamente do dólar como único meio legal de pagamento, pelo menos a curto prazo. Tomar essa decisão sem abordar questões fundamentais poderia ser perigoso para o país.”, alerta o executivo da Trubit.

No entanto, ele prevê a criação de um orçamento equilibrado e uma modificação no financiamento do Tesouro para melhorar a valorização da moeda argentina. Uma vez que ela recupere seu valor real, será possível ver outras moedas em uso interno.

Para Walenkamp, ainda que a dolarização da economia ajude a população e seus empresários a terem uma moeda estável, essa política pode trazer outros impactos uma vez que, em cenários de crises sistêmicas, o Estado ficaria mais engessado para responder a intempéries. Ainda que a economia possa se estabilizar por um lado, fica também mais endividado.

Impactos no Brasil

Segundo o relatório “Geografia das Criptomoedas” da Chainalysis, a Argentina é um dos países líderes na adoção de criptoativos no mundo. O país ocupa hoje o décimo quinto lugar no Índice Global de Adoção.

E, como parte desse movimento, liderou o volume bruto de transações de cripto na América Latina, atingindo estimados US$ 85.4 bilhões transacionados.

Um cenário favorável para as criptos na Argentina (com leis e regras mais claras, por exemplo) contribui para o fortalecimento desse mercado na América Latina de forma geral, diz o CEO da Ripio.

O Brasil é o nono colocado no Índice Global de Adoção de cripto do estudo e, apesar de ter uma alta demanda por outros ativos como o Bitcoin (BTC) e as Altcoins, tem forte procura por stablecoins.

A perspectiva é positiva e continuaremos investindo para constantemente inovar no que trazemos ao mercado, concluí Serrano.

Reyes, por outro lado, acredita que, do ponto de vista econômico, não haverá um impacto significativo na economia brasileira. Isso ocorre, especialmente, porque a relação entre Lula e Milei pode ser um tanto complicada.

“Isso é particularmente verdadeiro, uma vez que o presidente brasileiro expressou abertamente seu apoio a Massa, enquanto Milei está mais alinhado com as ideias de Bolsonaro. As relações econômicas entre Argentina e Brasil provavelmente permanecerão em bons termos, especialmente no comércio, o que é crucial e altamente importante para ambos os países“, finaliza o Country Manager.

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Aline Fernandes
Aline Fernandes atua há 20 anos como jornalista. Especializada nas editorias de economia, agronegócio e internacional trabalha na BeINCrypto como editora do site brasileiro. Já passou por diversas redações e emissoras do país, incluindo canais setorizados como Globo News, Bloomberg News, Canal Rural, Canal do Boi, SBT, Record e Rádio Estadão/ESPM. Atuou também como correspondente internacional em Nova York e foi setorista de economia dentro do pregão da BM&F Bovespa, hoje B3...
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