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Bitcoin e comunismo: as criptomoedas são produto do marxismo?

6 mins
Atualizado por Airí Chaves

Em um primeiro momento, sempre associamos as criptomoedas com um sistema capitalista, com acúmulo de riqueza e grandes lucros. Mas será que, ao pararmos para analisar os ideais das criptomoedas, principalmente do bitcoin, e da tecnologia blockchain, não vamos perceber que as criptomoedas possuem potencial para apoiar e realizar os princípios defendidos por Karl Marx?

Neste artigo, vamos olhar para as criptomoedas de maneira diferente e tentar entender como elas podem se alinhar aos princípios centrais do comunismo e contribuir para um sistema mais equitativo e descentralizado.

A relação criptomoedas x comunismo

comunismo criptomoedas

É comum vermos comunistas e pessoas da esquerda radical tecendo várias críticas às criptomoedas e NFTs. Gustavo Gaiofato, por exemplo, já mencionou que o problema das criptomoedas é que elas operam na lógica da especulação. Já o youtuber Cauê Moura explicou o que são NFTs para seus seguidores traçando um paralelo com o capitalismo, onde a escassez de um ativo é o que faz a desigualdade prosperar. Segundo ele, “os NFTs são a criação de uma escassez digital artificial para que o “otário” se sinta exclusivo sendo o dono de um JPG”.

Outras personalidades marxistas ou de esquerda, como Rita Von Hunty e Sabrina Fernandes já criticaram as criptomoedas e suas tecnologias. No entanto, por mais que as críticas sejam pertinentes, elas se baseiam na ideia de acumulo de capital e se esquecem dos fundamentos por trás das criptomoedas. Fundamentos estes que, se analisados com a devida atenção, podem potencialmente oferecer uma via para o comunismo.

A esquerda, principalmente a esquerda radical, ainda não entendeu a importância da blockchain e das criptomoedas. Algumas das razões para isso são: uma cultura política que desencoraja qualquer curiosidade sobre dinheiro e inovação financeira em geral e a propensão libertária pessoal de Satoshi Nakamoto, que para alguns situa o Bitcoin à direita do espectro político.

Criptomoedas e a apropriação dos meios de produção

Satoshi Nakamoto criou o Bitcoin em 2008 com o objetivo de fornecer uma alternativa ao sistema financeiro tradicional, que é controlado por bancos e instituições financeiras centralizadas. A criptomoeda foi criada para ser descentralizada e transparente, com a ideia fundamental de proporcionar maior autonomia e controle aos indivíduos em relação ao seu próprio dinheiro, permitindo transações diretas e irreversíveis sem a necessidade de confiança em terceiros.

Basicamente, o que o Bitcoin propõe é uma “apropriação coletiva dos meios de produção monetária”. Coisa que talvez sequer tenha passado pela cabeça de Marx, já que ele não pensou realmente em dinheiro quando considerou a socialização dos meios de produção. Na verdade, ele nunca teve nenhum interesse particular pela questão do dinheiro.

Segundo Pierre-Joseph Proudhon, socialista, filósofo político e econômico francês, acreditava que o dinheiro, em sua forma atual, era uma ferramenta de exploração e desigualdade. Ele argumentava que, sob o capitalismo, o dinheiro se tornou uma fonte de poder nas mãos daqueles que possuíam capital, permitindo-lhes explorar e dominar os trabalhadores. Além disso, ele também defendia a criação de instituições financeiras cooperativas controladas pelos trabalhadores. E as criptomoedas podem, potencialmente, ser a ferramenta necessária para transformar a ideia de Proudhon em realidade.

Apesar de Marx ser crítico as ideias de Proudhon, o qual era referido como socialista burguês, alguns comunistas e marxistas acreditam que cabe a esquerda radical incluir o dinheiro em suas considerações.

Mark Alizart, filósofo francês, em seu livro Criptocomunismo diz que o dinheiro é muito importante para se criar uma sociedade comunista. E que os marxistas, deveriam ter como objetivo impedir a privatização do dinheiro, em vez de abolir a propriedade privada, porque é a privatização do dinheiro, em última instância, responsável pela existência da propriedade privada.

O papel das DAOs (Organizações Autônomas Descentralizadas)

Para Marx, o Estado era uma instituição que refletia e servia aos interesses da classe dominante, que na sociedade capitalista era a classe burguesa. Ele via o Estado como uma ferramenta de opressão e controle das classes trabalhadoras pelo capitalismo.

Além disso, Marx acreditava que a desestatização da sociedade tinha que ser acompanhada por algum tipo de organização e protocolo; caso contrário, o efeito gerado seria o mesmo que vivenciamos agora: forças privadas vão se aproveitar das fraquezas públicas e vão confiscar as propriedades comuns, e o Estado vai retornar ainda mais forte.

Um dos principais argumentos usados por pessoas que defendem as criptomoedas como uma ferramenta do comunismo é a DAO (organização autônoma descentralizada). O fundador da DAO MolochDAO e engenheiro de software, Austin Robey, disse em uma entrevista que as DAOs possuem potencial para serem uma forma de organização mais eficiente e democrática do que as corporações tradicionais.

Além disso, Robey também fez uma comparação entre as DAOs e o comunismo, dizendo que ambos compartilham o objetivo de criar um sistema onde todos são iguais e têm uma palavra a dizer sobre como as coisas funcionam.

Apesar da comparação, Austin Robey também deixou claro que as DAOs ainda estão em seus estágios iniciais de desenvolvimento e que há muitos desafios que precisam ser superados antes que eles possam se tornar uma alternativa viável às formas tradicionais de organização.

Existem várias formas pelas quais as DAOs podem ser usadas para implementar os princípios comunistas. Por exemplo, as DAOs podem ser usadas para gerenciar a distribuição de recursos, como alimentação e moradia. As DAOs também podem ser usadas para organizar e coordenar atividades econômicas, como produção e comércio. Além disso, as DAOs podem ser usados para fornecer serviços sociais, como educação e saúde.

No entanto, existem alguns desafios que precisam ser superados para que as DAOs sejam uma ferramenta comunista. Por exemplo, seria necessário desenvolver uma forma de garantir que as DAOs sejam verdadeiramente democráticas e que não sejam controladas por um pequeno grupo de indivíduos.

A blockchain como ponte para um sistema econômico mais equitativo e descentralizado

Além das DAOs e de uma possível apropriação dos meios de produção monetários, a tecnologia blockchain oferece outros recursos que apoiam princípios defendidos por Karl Marx.

Redistribuir a riqueza

O comunismo prega a ideia de redistribuição da riqueza, com o objetivo de garantir o acesso justo e igualitário aos recursos do mundo. As criptomoedas, ainda que em menor grau, possuem o potencial de facilitar essa redistribuição. Afinal, elas permitem transações peer-to-peer, ou seja, pessoa-para-pessoa, fazendo com que intermediários, como os sistemas financeiros bancários, que frequentemente reforçam as disparidades de riqueza, não sejam mais necessários.

Democratizar os meios de produção

Para Marx, era essencial democratizar os meios de produção para prevenir que a classe trabalhadora fosse explorada. Os aplicativos descentralizados (dApps) podem ser usados como uma forma de criar novos sistemas econômicos que não sejam controlados por poucos indivíduos. Além disso, os contratos inteligentes podem ser um recurso para fornecer uma maneira transparente e inviolável de executar acordos, reduzindo assim a necessidade de intermediários, além de potencialmente capacitar a classe trabalhadora.

Governança transparente e responsável

Transparência e responsabilidade são princípios essenciais no comunismo. Na visão comunista, a transparência é necessária para garantir que todas as decisões e processos sejam claros e acessíveis a todos os membros da sociedade. E a responsabilidade está relacionada ao princípio de que todos devem contribuir de acordo com suas habilidades e capacidades, e receber de acordo com suas necessidades.

As criptomoedas operam em blockchains públicas, onde todas as transações são registradas e podem ser auditadas por qualquer pessoa. Essa transparência promove a confiança entre os participantes e possibilita um modelo de governança mais responsável. Além disso, a natureza imutável da blockchain garante que transações e registros de propriedade não possam ser alterados, reduzindo o potencial de corrupção ou fraude. Portanto, a tecnologia blockchain pode ser uma ferramenta importante para colocar em prática os princípios comunistas.

No entanto, ainda que a blockchain e as criptomoedas se mostrem como potenciais ferramentas para viabilizar a ideia comunista, ainda há muitos problemas relacionados à tecnologia e aos seus usos que precisam ser contornados antes de afirmar que são os meios necessários para implementar as ideias de Karl Marx.

As criptomoedas são comunistas?

Ainda que, inicialmente, a associação entre criptomoedas e comunismo possa parecer contraditória, se examinarmos mais profundamente, podemos ver que as criptomoedas podem se alinhar à visão de Karl Marx.

Afinal, ao promover a redistribuição de riqueza, descentralização, democratização dos meios de produção, eliminação de intermediários e governança transparente, as criptomoedas oferecem caminhos potenciais para alcançar um sistema econômico mais equitativo e inclusivo.

No entanto, para que isso possa acontecer, é necessário explorar, experimentar e colaborar cuidadosamente, para garantir que essas tecnologias sejam aproveitadas para o aperfeiçoamento de todos os indivíduos, independentemente de sua origem social ou econômica. Ao abraçar esse potencial, podemos preencher a lacuna entre os princípios revolucionários e a inovação tecnológica, trabalhando para um futuro mais justo e igualitário.

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Airí Chaves
Com formação em marketing pela Universidade Estácio de Sá e um mestrado em liderança estratégica pela Unini, escreve para diversos meios do mercado de criptomoedas desde 2017. Como parte da equipe do BeInCrypto, contribuiu com quase 500 artigos, oferecendo análises profundas sobre criptomoedas, exchanges e ferramentas do setor. Sua missão é educar e informar, simplificando temas complexos para que sejam acessíveis a todos. Com um histórico de escrita para renomadas exchanges brasileiras,...
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