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Como ficam os tokens de exchanges após o desastre provocado pela FTX? 

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Atualizado por Júlia V. Kurtz

EM RESUMO

  • O que são tokens de exchange? Quais são suas origens? 
  • Que vantagens as corretoras ganham ao emitir seus próprios tokens?
  • Após o uso indevido do token FTT ter ajudado a implodir o Grupo FTX, esses tokens e seus casos de uso estão sob a mira de reguladores.
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    Após um novo cliente abrir uma conta em uma exchange cripto centralizada, é comum ele receber nos primeiros dias um email com informações sobre os inúmeros benefícios de adquirir um token próprio daquela exchange. 

    A ideia em torno dos tokens emitidos por exchanges cripto centralizadas (CEXs) é obter financiamento dos clientes e criar um modelo de “propriedade comunitária” para investidores. 

    Mas quais direitos o cliente adquire ao comprar esse tipo de token? Quais são os riscos? Eles são mesmo um bom investimento?

    Já vimos nesta coluna como o mau uso do FTT, o token nativo da corretora FTX, pode causar um belo estrago. Aproveitando o tema, no artigo de hoje vamos explorar os prós e contras dos demais tokens de corretoras cripto.

    O que são tokens de exchange? 

    Os tokens de exchange são ativos digitais que são emitidos por corretoras centralizadas de criptomoedas, também conhecidas como CEX. 

    Esses tokens normalmente oferecem a seus titulares certos benefícios dentro do ecossistema fechado da corretora emissora. 

    Alguns podem dar acesso prioritário à venda de tokens na plataforma. Outros são usados para staking que pode dar descontos em negociações e outras taxas na corretora emissora. 

    E ainda há tokens de corretora que dão direito a governança em suas redes de contratos inteligentes associadas (ou seja, CRO).

    Apesar da variedade das abordagens, houve pouca diferença no preço de venda dos principais tokens desde o auge do mercado em novembro de 2021.

    Mesmo assim, não são poucas as corretoras que optaram por emitir seus próprios tokens, como forma de obter financiamento diretamente de seus clientes. Alguns exemplos são: o FTX Token (FTT), o KuCoin Shares (KCS), o Binance Coin (BNB), Huobi Token (HT), o  Cripto.com token (CRO), o OKX token (OKB),  o token da Bitfinex (LEO), dentre outros.

    Suas origens e por que os tokens de corretora atuais estão longe de seu objetivo inicial

    Os que já estão há algum tempo no mercado devem se lembrar que entre 2016-2017, houve muita discussão no mundo cripto sobre os “tokens de utilidade”, que deveriam ser usados para incentivar e pagar nodes pela prestação de serviços de computação descentralizada, com ocorre na rede de armazenamento descentralizado Storj; e na rede Helium, o projeto de nodes focado em Wi-Fi e IoT que agora está tentando se tornar uma DAO.

    No entanto, não foi esse o caminho seguido pelos tokens de corretora que, pelo contrário, não seguiram os conceitos que inspiraram os tokens de utilidade.

    Hoje, tokens emitidos por corretoras são, essencialmente, não descentralizados e seu objetivo atual é o oposto da descentralização proposta pelos tokens de utilidade e pela própria Web3

    Eles são, no fundo, um incentivo para continuar utilizando a mesma corretora centralizada. 

    Seus portadores podem usá-los para obter acesso a benefícios exclusivos, descontos nas taxas de negociação, maiores limites de saques diários e mensais, recompensas e acesso antecipado às ofertas da corretora, e até a capacidade de votar em decisões que afetam a corretora

    Tecnicamente, os tokens de corretora não possuem nada de especial. O FTT, por exemplo, foi registrado como um token ERC-20 no Ethereum, um tipo de token que praticamente qualquer um pode criar com habilidade técnica limitada. BNB, o token da Binance, é registrado na rede BNB Chain, uma blockchain que teve início a partir de um fork do Ethereum, mas que se fundiu com uma blockchain  separada e permissionada.

    Por que as corretoras decidiram emitir seus próprios tokens? 

    O principal negócio das corretoras é facilitar as negociações em seus mercados à vista ou de derivativos. Por isso, na maioria das corretoras, o principal motor do fluxo de caixa é a receita das transações negociais. 

    Além de negociar, as corretoras também podem ganhar com negócios relacionados como custódia, staking, assinaturas e muito mais. 

    Embora a receita seja, naturalmente, importante, manter o vínculo com os clientes é igualmente relevante. E muito provavelmente pensando neste vínculo, a Binance foi a primeira corretora a lançar seu próprio token.

    Mas existe um outro chamariz para uma exchange decidir emitir seu próprio token. 

    O “atrativo” dos tokens para as corretoras é que elas não precisam de nenhum regime legal para fazer valer direitos de propriedade ou reivindicar um lugar na  lista ordenada de obrigações de uma organização para com suas contrapartes, incluindo devedores e investidores. 

    Não há uma infraestrutura de capital, com todas as exigências legais, porque a garantia do token viria da demanda de serviços que “supostamente”  deveriam estar garantidos e diretamente ligados a uma blockchain.

    Contudo, na prática, não é isto que acontece. O valor dos tokens de exchanges está implícito em um regime regulatório ou legal que em muitos casos não existe de fato. 

    A maioria dos tokens de exchanges é emitida pelas chamadas corretoras “offshore”, que são registradas em paraísos regulatórios  como as Bahamas, no caso do Grupo FTX

    Note que corretoras como a Coinbase, com acesso aos mercados de ações padrão e as restrições regulamentares a eles associadas, não emitiram seus próprios tokens. 

    Podemos dizer, então, que os tokens de exchange representam uma forma das corretoras offshore angariarem dinheiro sem esse acesso.

    De onde vem o valor subjacente dos tokens de exchange? 

    O valor dos tokens de exchange é frágil, especialmente considerando que ele pode mudar drasticamente com base na boa ou má gestão da corretora. 

    Ou seja, seu valor deriva da saúde do negócio da corretora emissora do token, mas não apenas isto. 

    Por exemplo, a supervisão regulatória – que contribui para elevar o nível de garantia sobre a saúde da corretora –, e os volumes de negociação que aquela determinada corretora obtém, também são fatores que contribuem para acrescer ou retirar valor aos tokens de exchanges. 

    Para se ter idéia de como a gestão da corretora impacta diretamente o valor subjacente de seus tokens, nada melhor que analisar o mau uso do token FTT por sua corretora, a FTX.

    Como o FTT ajudou a implodir o Grupo FTX?

    Só porque os tokens de corretora podem levantar dinheiro como uma ação, isto não significa que eles sejam “uma espécie” de ação.

    O token FTT , por exemplo, não distribuiu uma parte da receita da plataforma FTX ou deu aos seus adquirentes quaisquer direitos de governança.

    O FTT manteve um vínculo com o FTX através de um mecanismo de recompra e queima, onde uma parte da receita da corretora foi usada para comprar de volta e queimar o fornecimento do token FTT. 

    Contudo, em vez da FTX fixar uma relação unidirecional onde o valor do negócio da corretora fluía para seu token FTT, estabeleceu-se uma relação circular. 

    Isto é, o token foi utilizado como garantia para empréstimos entre as empresas do Grupo ( FTX / Alameda), o que levou o preço do token a ter um impacto direto sobre a liquidez, solvência e futuro do negócio. 

    Em resumo, o token FTT ajudou a implodir o Grupo FTX porque  os tokens da corretora foi usado como garantia para criar a Alameda, fazendo uma enorme quantidade de alavancagem, passando a liquidez de instituição para instituição.

    Após o colapso do Grupo FTX, provavelmente haverá mais regulamentação. E dependendo da direção que os reguladores tomarem (anti-DeFi ou anti-CeFi), isto levará a resultados diferentes. Mas olhando numa escala global, uma maior clareza regulatória deve ser positiva.

    De que forma tokens de corretora criam valor para seus portadores?

    Apesar de muitos venderem tokens de corretora como ativos similares às ações, a verdade é que sua natureza pode ser bastante diferente de uma ação.

    As ações podem ser consideradas uma reclamação residual sobre os fluxos de caixa da empresa subjacente. Da mesma forma, a maioria das “criptomoedas nativas” pode ser vista como uma reivindicação sobre a receita (gás, taxas de transação, etc) obtida com o espaço de bloco de sua blockchain subjacente. 

    Também em DeFi, podemos seguir a mesma linha, considerando o valor do token usado em projetos DeFi como a quantidade de fluxo de causa gerado na rede subjacente.

    Não se pode, contudo, aplicar o mesmo raciocínio acima aos tokens de corretora. Isto porque, eles podem, ou não, estar ligados diretamente à receita da corretora.

    E existem outras formas de criar valor para quem possui tokens de corretora. 

    Primeiro, as exchanges que criaram sua própria blockchain, podem utilizar seus tokens nativos como gás da sua blockchain para gerar uma demanda inerente para o token – o que de outra forma não possibilitaria que aquele token acumulasse algum tipo de prêmio monetário. 

    É isto que fez a Binance, ao atrelar seu token (BNB) a sua BNB Chain.

    Outra forma de capturar valor é a exchange criar um mecanismo embutido de recompra de tokens, a partir das receitas ou lucros gerados pelo negócio da corretora. Isto cria uma relação direta entre o negócio e o valor do token da corretora, atrelando o sucesso da gestão da exchange ao seu  token nativo. 

    Takeaway: olhando para o longo prazo

    Independente de quais benefícios o token de determinada corretora ofereça,  negócio subjacente precisa existir para que a unidade possua qualquer valor. 

    Pois bem, o fator-chave para a receita das corretoras é o volume de negociação na corretora, que engloba (i) o número de usuários, (ii)o número de negociações e (iii) o tamanho médio das transações.

    E todos estes três fatores estão positivamente correlacionados com o preço e o sentimento em torno das criptos.

    Os mercados de alta seduzem novos usuários a entrarem no ecossistema e fazerem mais transações. Períodos de alta volatilidade também impulsionam maiores volumes. Outro fator de volume pode ser o lançamento de novos produtos pela própria corretora.

    Mas é bom lembrar que como um intermediário e uma porta de entrada para os criptoativos, com o passar do tempo as corretoras podem perder espaço no ecossistema cripto.

    O que quero dizer com isto?

    As corretoras centralizadas (CEXs) e as corretoras descentralizadas (DEXs) competem por volumes e compartilhamento de posições.

    Como a experiência do usuário (IU/UX) nas exchanges descentralizados tende a melhorar com o tempo, a participação de mercado das DEXs deve aumentar, com grandes chances de superar o volume de negociação das CEXs. Claro que para isto ainda há um longo caminho, que exige todo um avanço, com projetos DEX mais eficientes, e a escalada para uma taxa de gás mais baixa.

    Some-se a isto, o fato de que além das DEXs, as corretoras centralizadas estão competindo com corretoras TradFi, com plataformas de pagamento como o Paypal, plataformas de mídia social como Twitter, e produtos Web3 nativos existentes que oferecem facilidades de acesso.

    De outro lado, apesar da história sugerir que no futuro haverá outra grande alta no mercado no futuro, não é possível adivinhar se e quando isso vai acontecer.

    Ainda, o recente colapso do FTX, que impulsionou a maior parte do mercado para as criptos nativas (criptomoedas) e para a autocustódia, levando muitos a abandonarem tokens de corretora. 

    E apesar das exchanges estarem se esforçando para recuperar a confiança dos clientes investindo em maior transparência e prova de reservas, esse esforço está longe de ser suficiente para a maioria dos investidores.

    Neste contexto, a perspectiva das corretoras centralizadas em si, e consequentemente dos tokens por elas emitidos, parece incerta. Principalmente por depender de muitas variantes. 

    O volume total de mercado das criptos irá crescer? Será que as corretoras centralizadas perderão participação de mercado para as DEXs num futuro próximo? Qual será o impacto da regulamentação nas corretoras, que inevitavelmente virá?

    Em resumo, o negócio subjacente da corretora precisa existir para que seu token possua qualquer valor. E como a própria perspectiva de corretoras centralizadas é uma preocupação, o interesse dos investidores pelos tokens de corretora não parece ser um bom negócio no longo prazo.

    E você? Acredita que os tokens de corretora valem a pena ser considerados para investimento? 

    Já pensou que um token de exchange pode não ter nenhuma ligação com os fluxos de caixa da corretora subjacente?

    Percebeu que os direitos dos portadores de tokens de corretora podem não estar protegidos legalmente? 

    Compreendeu que tokens emitidos por uma corretora “não regulamentada”, com sede em paraísos fiscais, possuem uma curva de risco infinitamente mais alta que os emitidos por corretoras regulamentadas?

    Conhecimento é poder!! Nos vemos em breve!

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    Tatiana Revoredo
    Tatiana Revoredo é membro fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Inovação e Tecnologia. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Especialista em Blockchain Business Applications pelo MIT. Especialista em Artificial Intelligence & Business Strategy pelo MIT Sloan & MIT CSAIL. Especialista em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Convidada pelo Parlamento Europeu para a “The Intercontinental Blockchain Conference”....
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