Promessas que prometem rendimentos exorbitantes para investimenos atraem atletas e outras vítimas. No entanto, elas geram uma emoção que faz com que muitos confiem em colegas próximos e invistam milhões em furadas.
Uma promessa de rendimento de retorno de até 5% ao mês fez com que Gustavo Scarpa, Willian Bigode, Myke e Weverton perdessem fortunas. No entanto, nem as maiores instituições financeiras do planeta conseguem garantir lucros tão exorbitantes em tão pouco tempo. O último relatório da Chainalysis mostrou que o volume de atividades ilícitas envolvendo criptomoedas “atingiu as máximas históricas em meio ao aumento de designações de sanções e ações de hackers”.
Apesar da desaceleração do mercado de criptomoedas, o volume de transações ilícitas aumentou pelo segundo ano consecutivo (2022), atingindo o recorde histórico de US$ 20,1 bilhões. Os dados não incluem crimes com criptomoedas usadas para o tráfico de drogas, por exemplo.
A Chainalysis reportou US$ 14 bilhões em atividades ilícitas em 2021 e agora esse número subiu para US$ 18 bi, principalmente devido à descoberta de novos golpes de criptomoedas.
Atividades associadas a entidades sancionadas foram responsáveis por 44% do volume de transações ilícitas de 2022.
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Caso Palmeiras
Os números apenas corroboram a atividade contínua de criminosos. A pirâmide financeira mais famosa que se tem notícia data de 1920 nos Estados Unidos, quando Charles Ponzi enganou investidores com sucesso para ganhar dinheiro.
E com a ascensão recente das criptomoedas, criminosos enxergaram mais uma oportunidade para aplicar novos golpes.
Na semana de 12/03 veio à tona, divulgado pelo Fantástico, da TV globo o caso de um suposto golpe envolvendo criptoativos e jogadores do Palmeiras. Um deles convenceu outros colegas a investirem quantias milionárias com rentabilidade garantida de até 5%.
Os envolvidos são William Gomes de Siqueira, conhecido como Bigode e dono da WLJC, que convenceu Gustavo Scarpa, Maike Rocha Oliveira e Weverton, companheiros de Palmeiras, a investirem na Xland Gestora de Investimento LTDA.
O advogado Bernardo Regueira Campos, que representa clientes lesados em esquemas similares, como Rental Coins, caso Sheik das criptomoedas, Braiscompany e GAS Consultoria do Faraó dos Bitcoins, conversou com o BeIn Crypto sobre o caso. Bernardo foi consultado por dois investidores envolvidos no caso Palmeiras, que querem reaver seus valores investidos
O jurista também é o advogado com maior valor de clientes em carteira, aproximadamente R$ 210 milhões no caso Rental Coins.
Sem revelar nomes, Bernardo explica que, “Um deles (investidores) já têm até processo em andamento e está considerando trocar de advogado. O outro me informou que ainda não entrou com um processo.”
Segundo Campos, até agora já há entre 20 e 30 processos tramitando na justiça, e um deles é do Gustavo Scarpa (setembro 2022) e outro de Mike (processo que tramita desde o início desde ano).”
Legislação abriu brecha para “piramideiros”
A Xland foi fundada em 2019 por Gabriel de Souza Nascimento e Jean do Carmo Ribeiro. A empresa não é tão grande como a Rental Coins, Braiscompany ou Gas Consultoria, mas captou um valor considerável, principalmente com jogadores de futebol, usando a narrativa de locação de ativos digitais – brecha da interpretação da lei, mas não existe, de acordo com Campos.
“A questão aqui é que a Instrução Normativa 1.888/2019 da Receita Federal obriga a quem operar no mercado a informar as operações sobre a “cessão temporária (aluguel)” de criptoativos (artigo 6º, §2º, VI). O intento do Fisco era apenas arrecadatório, mas isto gerou um enorme mal-entendido. Trata-se imprecisão terminológica da Receita Federal, decorrente do fato de que o próprio mercado financeiro tradicional usa o termo “aluguel” de ações, quando na realidade não é aluguel, pois ações são essencialmente fungíveis, mas sim empréstimo.”
O advogado, que também é presidente da Câmara de Ativos Digitais e Blockchain da ACP, explica que o termo aluguel não é empregado no dia a dia do mercado de criptoativos, nem mesmo feitas operações do gênero. Há outras operações que podem vir a ser consideradas parecidas, mas não o são, como staking, lending, borrowing ou liquidity pools. Apesar de eventuais semelhanças, em nenhuma há promessa nem tampouco histórico de retorno positivo independentemente do mercado.
Vale ressaltar que aluguel sobre direito sobre bens fungíveis como Bitcoin por exemplo, é feito via empréstimo – limitado a 1% ao mês.
Para Bernardo, a IN 1.888/2019 facilitou para pessoas como Francisley Valdevino da Silva, da Rental Coins, Antonio Neto, da Braiscompany e os donos da Xland. A brecha permite que os “piramideiros” aleguem por um “mal-entendido” com a cessão sobre diretos: aluguel de criptoativos.
No entanto, independente do entendimento, a Receita Federal sempre deixou clara a importância de o contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, de prestar informações corretas sobre se o investidor está comprando, vendendo, trocando ou minerando criptoativos.
Muitas plataformas e maus atores se apropriaram da terminologia confusa e usaram a brecha. Caso da Xland, onde tudo isso está escrito em contrato como mostra a imagem abaixo.

A própria Xland na contestação da ação civil pública movida pelo MP do Acre, onde também tem sede, informou estar em conformidade com a Lei apresentando documentos e a IN 1.888/2019.

A informação também aparece em contratos que parecem idôneos.

Mas como pessoas tão poderosas caem no golpe?
O que chama a atenção no caso envolvendo os jogadores do Palmeiras como, Gustavo Scarpa e Willian, é como os supostos golpistas conseguem ter acesso e enganar pessoas tão ricas e prestigiadas. Já vimos diversas outras celebridades caindo em golpes.
Como agem os fraudadores?
“As empresas fraudadoras que criam as pirâmides convencem alguém para ser o captador – neste caso William – e prometem comissões e benefícios inexistentes para os novos investidores.” explica Bernardo que ressalta, “analisando com base em casos similares, se Willian Bigode for apenas um captador e sem maior conhecimento do funcionamento, pela lei atual, tende a ser mais uma vítima. Vai depender do que ele tinha ou não conhecimento”.
A pessoa captadora é convencida de que tudo está nos termos da lei e que a fraudadora tem inclusive garantias, caso algo dê errado.

Lastro em pedras preciosas
Outra ferramenta usada pela Xland para enganar os clientes, foi dar a garantia de lastro com pedras preciosas. Eles apresentavam até certificado de origem das gemas, trazendo mais seriedade ao golpe. Só que no certificado o endereço que consta é R. Andrade Gemas Preciosas Ltda, de Campo Formoso, na Bahia.

O próprio CEO da empresa, Gabriel Souza Nascimento afirmou que a Xland tinha mais de R$ 2 bilhões em Alexandrita, uma das pedras preciosas mais raras do mundo que vem do mineral crisoberilo e muda de cor conforme a luz que recebe.
No entanto, na nota fiscal, o valor que consta destas pedras é de apenas R$ 6 mil. Bem aquém do valor citado por Gabriel.

Nascimento garantiu aos jogadores que tinha muito mais recursos do que os investidores e por isso eles não precisavam se preocupar, caso precisassem retirar o dinheiro investido, mas não foi o que aconteceu.
Golpe estruturado entre poucos
“Normalmente, é só um núcleo duro muito fechado que realmente sabia que era uma pirâmide, que tinha acesso às finanças e ideias sobre como fraudar. Cerca de 5 a 10 pessoas. E raramente uma dessas exercia a função de captador. São familiares ou pessoas próximas dos principais orquestradores do esquema”, diz Bernardo.”
O que coloca William Bigode em uma suposta posição de enganado. Foi ele que através de sua empresa, a WLJC, convenceu os colegas a investirem milhares de reais na Xland. O próprio William alega ter perdido R$ 17,5 milhões e até agora não tem nenhuma perspectiva de receber o valor investido.
Mesma situação de Gustavo Scarpa, que hoje joga na Inglaterra e diz ter perdido R$ 6,3 milhões enquanto Maike Rocha Oliveira, afirma ter tido um prejuízo de R$ 4,3 milhões.
Os dois estão processando a XLand pela justiça paulista, além de acusarem a WLJC por estar envolvida no negócio. O goleiro da seleção, Weverton, também teria sido vítima do golpe, mas os valores investidos pelo atleta não foram revelados. Ele já pode estar em negociação com a Xland, mas não conseguimos contato com nenhum dos dois.
“Muitas vezes as pessoas são enganadas por não entenderem o tema, acreditam no criminoso na base da confiança ou se deslumbram”, conta o advogado que tem outros jogadores de futebol que se envolveram em esquemas de pirâmide, sem conhecimento.
A questão também envolve a vergonha de parentes e amigos, porque essas pessoas geralmente captam os recursos financeiros da família, amigos próximos, filhos, pais e no final são vistas como ladras, bandidas que agiram de má fé, sem ter noção real do que está por trás do golpe.
Outro fator que também influencia bastante essas vítimas, é o medo de ficar de fora de um negócio, onde outras pessoas supostamente estão lucrando milhares de dólares, também conhecido como FOMO.
Há outro processo em andamento do Ministério Público do Acre (MPAC) contra a Xland, que foi aberto no final do ano passado. À época o MP pediu bloqueio dos bens da empresa e acusou a plataforma de investimentos de ludibriar investidores com falsas promessas de lucros impossíveis.
A justiça do Acre pediu mais provas e agora o MPAC aguarda nova decisão.
Os próximos passos – cabe indenização?
Nas próximas semanas a Polícia Federal deve anunciar alguma ação relativa ao caso, e pode ser uma busca e apreensão, diz Bernardo Campos.
A indenização das vítimas pode demorar anos, assim como o recebimento dos valores investidos.
“Tudo depende de como o processo vai se desenrolar. É difícil dizer, mas só 20% das pessoas costumam entrar com processo, diz o advogado. Mas esse 20% correspondem a 80% da parte colocada”.
“É muito difícil os Tribunais definirem o tipo de indenização, de danos morais. Quando há indenização em muitos casos, o valor é pequeno. Muitas vezes os credores não têm os recursos para fazer a devolução do dinheiro roubado.”
Após a falência declarada
Outra possibilidade é que após algum tempo, as autoridades, principalmente a PF, conseguem repatriar bens valiosos para indenizar as vítimas.
Mas vale lembrar aqui que quando você for investir, pesquise, pergunte, cheque a informação mais de uma vez, entre no site da empresa, verifique nome, CNPJ. E lembre-se, os criminosos sempre vão pensar como você pensaria, e pode enganar usando documentos falsos, imagens falsas e até, como no caso da XLand, joias falsas.
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